Manhã
de 27 de Fevereiro/1985 – Manhã de Fevereiro/2018!
As
duas, lado a lado: tão diferentes e tão
iguais! Na de hoje, a fúria do vendaval levanta telhados, estremece portas e
persianas, derruba árvores, esmaga acessos e carros, estoura com o mar em
alvoroço. A de ontem, há 33 anos, branda e macia, veio saudar o novo dia,
abrindo o lençol da neblina nocturna para deixar passar o sol. E nisso são
diferentes as duas manhãs!
Mas
nisto são tão iguais: ambas trazem o desassossego e a guerra, que de conluio
semeiam a tormenta. Só mudam os autores: numa, é a natureza informe e bruta que
as solta, Na outra, foi o homo sapiens
quem as fez.
Todos
os anos, entro em retiro aberto durante 18 dias e 18 noites. Porque, neste
caso, recordar é mais, muito mais que viver a fruição da memória, vou partilhar
convosco a visão diacrónica dos factos, começando pelo 1º dia, 27.
Era
a manhã calma e fria. Descia eu as escadas da casa sobranceira ao templo para
celebrar a habitual eucaristia das 7 horas, quando uma mulher sexagenária já me
esperava no primeiro degrau. “Senhor Padre, pelo amor de Deus lhe peço: saia já
daqui, vá-se embora”. Intrigado, perguntei-lhe o porquê desta ordem inesperada.
“O meu filho que trabalha na vila veio à minha casa avisar que viu 10 carrinhas
da polícia para virem à Ribeira Seca prender o padre na hora da missa”. Observei
à senhora que não fugiria e até gostaria de ver o jeito da polícia nessa
tarefa. Mas ela insistiu: “Esta gente aqui diz a mesma coisa: Hoje não há missa. Vá ficar na casa da sua mãe
na Banda d’Álém, que o povo vai tomar conta disto. E depois, o povo vai lá
baixo buscá-lo outra vez”.
Embora
contrafeito. tive de cumprir ordens. Alguém deu-me boleia e recolhi-me na casa
paterna. Sem saber o que se passava, em vão esperei notícias até ao fim da tarde. Ainda guardo o
bater do coração desse dia. O caso já era falado na vila: Que a polícia fechou
a igreja com barrotes e quando o povo chegou, já as portas estavam cerradas. Que, às 9 h da
manhã, o pároco da igreja da vila e o presidente da Câmara acompanharam o
subchefe, subiram as escadas da casa, rebentaram com as portas dos quartos
(ainda lá estão as marcas) levaram objectos, livros de registos paroquiais, uma
aparelhagem sonora, amplificadores, microfones, colunas, que eu comprara dias
antes.
Soube-se
também que o subchefe policial deu instruções aos 70 agentes para correrem com
as pessoa que entretanto se aproximavam. Nem o próprio carteiro de serviço
permitiam que atravessasse o adro no cumprimento do seu ofício.
Constou
que houve ameaças, empurrões por parte dos agentes e gritos e resistência da
parte do povo. E que houve gente disposta a ficar toda a noite no campo de
jogos que dá para o adro para impedir que saqueassem a igreja. E foi o primeiro
dia, 27 de Fevereiro/1985.
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Hoje,
27 de 2018, não obstante a chuva e o vento implacáveis, reunimo-nos em
eucaristia vespertina e homenageámos aqueles homens e aquelas mulheres que já
nos deixaram mas continuam vivas connosco, pois que foram as sentinelas
vigilantes da sua casa-mãe, a igreja construída pelas gentes da Ribeira Seca.
27.Fev.18
Martins Júnior
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