Passei
a ponte insegura e fétida que separou o meu passado Janeiro do Fevereiro onde,
de presente, tenho o pé mal firmado. Insegura não era a ponte mas os que a construíram.
E fétida não era ela mas os pilares que, em vez de suportá-la, apodreciam-lhe os alicerces nas
águas lamacentas.
A
transição de uma margem à outra não trouxe a almejada promessa de um dia novo, sem
nuvens. O pesadelo misturou-se, viscoso, à náusea de andar por aqui. “Ninguém
sabe que alma tem/ Nem o que é mal nem o que é bem/ Tudo é disperso nada é
inteiro” – continua a perseguir-me o “Nevoeiro” de Pessoa – “Ó Portugal hoje és
nevoeiro”!
Hoje,
mais que no tempo da “Mensagem”, hoje é antro de monstros marinhos, víboras de
ossadas moles embrulhadas em vernizes, vermes paridos em ventres incestuosos.
Vejo-os entronizados nas poltronas dos tribunais, os ladrões, os corruptos, guardiões
do Templo da Justiça, abutres desenhando
sentenças capitais contra indefesas andorinhas.
A
quem iremos? Onde o caminho, o abrigo, a balança da Justiça? Nem que seja na
longínqua selva, desde que lá não chegue sombra de homem, digam, que eu já lá
vou.
Maldito
capitalismo! A quem iremos?... Aos dadores de dinheiro, os banqueiros? Mas se
têm a consciência calçada de ouro
intransponível! Aos juízes, advogados, meirinhos?... Às religiões, à Igreja?...
Mas como, se elas têm empacados fardos de notas sujas, de fome e de sangue dos
pobres, no banco vaticano e, pior que os milionários que vendem terrenos na
lua, elas fazem promessas de compra e venda das invisíveis estalagens do outro
mundo?! A que portas bateremos? Aos imperadores do futebol?... Mas como, se
eles pagam a cambistas, profissionais de colarinho branco, parasitados nos offshores! Aos representantes do povo,
os partidos?... Mas não são eles que, até em eleições internas, compram as
pessoas, tentando reduzi-las à mísera condição de prostituição financeira?!
A
Justiça! – a última almofada para repousar um crânio retalhado. Ei-la na
valeta. De que genes são feitas as mãos que vão julgar colegas de toga…ou “sócios
do crime”?
Em
quem havemos de confiar?
Enquanto
se aguarda a resposta sobre que Justiça queremos, vamos roendo os ossos da nossa
própria carne que os DDT (os donos disto tudo) ainda nos consentem. E para
conforto ou não – o bicho homem sempre foi assim – transcrevo a veemência de um
excerto do “Sermão de Santo António aos Peixes”, do Padre António Vieira, há
mais de 400 anos:
“Se
morrer alguns desses pobres…vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo
e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários,
comem-no os acredores, comem-no os oficiais dos órfãos, e os dos defuntos e
ausentes; comeu o médico que o curou, ou ajudou a morrer; comeu o sangrador que
lhe tirou o sangue; comeu a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para
mortalha, o lençol mais velho da casa; comeu o que lhe abre a cova, o que lhe
tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim ainda ao pobre
defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. Vede também um
homem, desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai
quantos o estão comendo. Comeu o meirinho, comeu o carcereiro, comeu o
escrivão, comeu o solicitador, comeu o advogado, comeu o inquiridor, comeu a
testemunha, comeu o julgador, e ainda não está sentenciado, e já está comido.
São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os
corvos, senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não
está executado nem sentenciado, e já está comido”.
Quem tem gosto em viver dentro de uma
jaula destas?... É verdade que passei a ponte, mas o pesadelo continua. Aquele
mesmo pesadelo que fez Shopennahuer desabafar
assim: “Quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães”.
Que havemos de fazer para transformar o
pesadelo de inverno em sonho de primavera?!
03.Fev.18
Martins Júnior
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