Todo
o dia esperei que “A VOZ” enchesse as ondas hertzianas do espaço
português e, através dos centros emissores, descesse ao fundo dos vales que ele
andou, subisse à fímbria das ‘altas fragas’ que ele cantou e voltasse a abrir
clareiras de esperança no coração do Povo que ele amou. Ele, ZECA AFONSO!
Esperei,
mas em vão. A barafunda que diverte o vulgo e esvazia os miolos da multidão foi
servida a eito pelos personalizados altifalantes oficiais.
No
entanto, precisamos dele. Ficaremos carentes de siso, órfãos de luz, seremos o “cadáver
adiado que procria”. se nos faltar “A VOZ“. Por mais que a mordaça dos gorilas do regime a
sufocasse, ZECA AFONSO erguê-la-ia, vigorosa e sadia, unida à de Galileu
Galilei, o condenado à fogueira por descobrir o movimento de rotação da Terra: “E,
no entanto, ela move-se”!
E,
no entanto, ele canta. E, quando canta, luta. Luta pelos meninos dos bairros
negros, pelas ceifeiras e pelos cavadores de todos os alentejos, pelos
andarilhos da utopia, pelas cantigas do Maio maduro e moço, pelo homem novo que
veio da mata, pela fome de justiça, pelos
“Padres Alípios de Freitas, homens de grande firmeza, ao lado dos explorados no
combate à repressão”. Ele canta e luta por tudo aquilo que faz falta para que
todas as cidades e aldeias sejam “Grândola,
Vila morena”.
O
mundo há-de precisar sempre de quem arme
a trombeta convocatória e solte A VOZ contra os vampes ‘meninos nazis de
cruz gamada, corrente e matraca’, contra os vamparros abarrotados do
dinheiro-suor roubado a quem trabalha, contra os vampiros juizes ‘mandadores sem lei’, contra o ‘carnaval da capela
e a igreja do privilégio que matou Cristo a galope’, contra os vampões ‘bichos da treva e da opulência’.
Chego
a pensar que não é outra a sina de todos os ZECA AFONSO senão deixar os ossos na
terra chã e projectar, viva e altissonante, “A VOZ” que nunca morre. Ler, ouvir,
mergulhar na profundeza da sua obra é ver a radiografia de toda a história
humana, para reerguê-la e transfigurá-la.
Por
isso, neste aniversário do último adeus ao Cantor da Liberdade, (23/Fev/87),
permitam-me reproduzir, como se fosse para cada um de nós, o final da saudação que lhe dediquei em 2017,
na campa nº 1606 do Campo Santo onde
repousa:
………………………………………………….
Não me tragam mais troféus
Nem me lembrem mais os pides e as prisões
Nem palmas nem medalhões
Porque eu ando por aí
Em tudo o que canta
Em tudo o clama
Em tudo que se alevanta
E olhando o sol sorri
Eu não morri
Porque vivo em ti
________________________
23.Fev.18
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário