Não
teria nada de anormal nem mesmo digno de especial menção, se não fosse um jornal de craveira
internacional – Die Welt – a encher a
primeira página e a toda a largura com uma
ilustração da visita de Erdogan, o ditador turco, ao Papa Francisco. Não vou tecer apreciações
pontuais sobre a recepção – mais uma – que o Sumo Pontífice dispensa a qualquer
soberano que o visita. Neste caso, talvez e apenas relevaria o cinismo
profissional de homens, como Erdogan e Trump, que fizeram votos “sinceros” de trabalhar
(foi o que um e outro disseram ao Papa) juntamente
com ele para a paz no mundo. No entanto, Francisco não se coibiu de censurar a
Erdogan o recente ataque feito aos curdos do norte da Síria. Este, por sua vez,
como raposa matreira, agradeceu a posição
tomada pelo Papa contra Trump, a propósito de Jerusalém, capital.
Quantos
sapos vivos, dinossauros e trogloditas tem o Papa de engolir?!
É
o seu estatuto que o obriga. Noblesse
oblige! É a nobreza, a do mundo e
não a do Nazareno, que o força a sentar à mesa do gabinete muitos que ele
desejaria pô-los na rua. Não só das ruas de Roma, mas dos poderosos palácios
que ocupam. Não fosse ele Chefe de Estado e veríamos quantos “colegas soberanos”
viriam visitá-lo. Oh diplomacia, a quanto obrigas!
Hoje,
porém, ao olhar a primazia dada pela reportagem
do Die Welt, reacendeu-se-me uma
antiga e teimosa questão, ciosamente guardada no meu subconsciente latente
activo: Que regime seria o do Vaticano, caso assumisse integralmente o estatuto
com que se apresenta aos reis e monarcas do planeta? Como seria a Constituição
do Estado do Vaticano?... Monarquia, absoluta ou constitucional?... República?...
Presidencialista, semi-presidencialista, parlamentar?... E o regime:
socialista, social-democrata, plebiscitário, totalitário e fascista, capitalista,
revolucionário, comunista?... Não seria blasfemo se fosse esta última a ideologia
político-programática, idêntica à do seu líder. “Os cristãos tinham tudo em
comum e ninguém chamava seu ao que possuía”. E em termos de Saúde, Segurança Social,
Trabalho, Justiça, que normativos concretos determinariam o seu Estado, o do
Vaticano.
Porque
é de um Estado que se trata. Por muito que se diga que as viagens do Papa não
são de um Chefe de Estado, mas de um Peregrino, não haja dúvidas que as visitas
dos governantes a Roma não são de Peregrinos, mas exclusivamente de Chefes de
Estado a um Chefe de Estado, algumas vezes até de carácter retributivo, como
foi o caso de Erdogan. Visitas inter
pares.
.Fico-me
hoje e mais uma vez pelas perguntas, embora se possam lobrigar algumas
respostas, entre as quais: Enquanto regime político, o Vaticano aproxima-se do
modelo islâmico – um regime teocrático, sem o Ayotollah Khomeini, mas (em
termos formais) com um seu sósia. Como tal, elitista, tendencialmente
totalitário, onde os seus constituintes, os cristãos, não têm direito a voto
universal e directo. A Igreja-Vaticano é um Estado, tem Secretários de Estado, embaixadores,
bandeira e hino. A Igreja fica-se entre águas, como sereia marinha, metade
Estado-metade Santidade. Mas a Igreja intervém. Na vida social, cultural e até
política. É aqui que cabe a questão: Qual a política do Vaticano para a
sociedade, para a comunidade europeia, para esta aldeia global que habitamos?
O
Papa Francisco abre o caminho desassombradamente para a denúncia e solução dos
grandes dramas internacionais. Quanto desejaria eu saber como seria um governo –
um Estado – de Igreja para o mundo. Sei que não passa de uma miragem, de má
recepção para muitos, mas se o Vaticano quer continuar estatutariamente como
Estado, então leve até ao fim as consequências do sua investidura. Ou, ao
menos, informe o mundo como governaria os cidadãos dos seus respectivos
territórios. É que a Igreja já foi pobre e solidária, já foi imperialista, já
foi totalitária, fascista e assassina (de perseguida passou a perseguidora) já
foi popular, já foi dogmática. A Igreja-Estado já se vestiu de todos figurinos
e de todos os poderes. Defina-se. Ou então renuncie ao indigno privilégio de
Estado híbrido.
07.Fev.18
Martins Júnior
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