Manda
a sucessão numérica dos dias – e assim marca o calendário – que hoje, dia 3, se
lhe atribua a designação de ímpar. Mas a
vida é mais que o calendário. E é nessa onda que navego para anunciar que não é
hoje o Grande Dia Ímpar da primavera nascente de Abril. É amanhã. Porque quem
determina o vértice da história não é a rotativa do planeta.. São as pessoas.
Assim
como não é o trono que faz o rei nem é o altar que cria os deuses (há muitos e
poderosos reis sem trono e há deuses maiores sem ara) assim também os heróis
construtores de “novos mundos” não têm tempo nem lugar marcados nos estádios
pré-fabricados pelos humanos burocratas. Eles surgem onde menos se os espera.
Quem os guia é o Espírito Universal que, ao passar à sua porta, logo eles se lhe abrem de par em
par.
Pois
o dia 4 de Abril é o primeiro Dia Ímpar desta primavera. Porque nele confluem três
acontecimentos gigantes: a morte de Martin Luther King, em Memphis, EUA, há
precisamente 50 anos, 1968; a Revolta da Madeira, em 1931: e o recente adeus ao
intrépido sindicalista e promotor da classe trabalhadora, entre as populações
de Machico, Manuel Mendonça Viveiros. Tão distantes uns dos outros no tempo e
no espaço, mas todos irmanados no mesmo Espírito Libertador!
Luther
King, o sonhador da igualdade racial, enquanto fonte originária dos mesmos
direitos e oportunidades entre negros e brancos! Não obstante as mais de 30
prisões a que foi sujeito, as tentativas de bomba em sua própria casa e na rua, os
insultos, as desilusões, Luther King nunca deixou de denunciar publicamente: “Como
pode a América chamar-se de ‘democracia esclarecida’, quando se vêem os Negros
sem acesso ao ensino e sem poder comprar seja o que for”? Homem talentoso, orador eloquente, estratega e
pedagogo das multidões, foi o próprio semanário Time que, em 18 de Fevereiro de 1957, exaltava o seu génio
criativo, afirmando que “a batalha por um lugar igual para brancos e negros no
mesmo autocarro, King soube transformá-la numa guerra contra todo o sistema de
segregação racial”. Factor impressivo das suas mensagens públicas foram os
textos evangélicos: onde outros iam buscar argumentos de subjugação e escravatura,
ele encontrava sementes de “revolução pacifista”. O assassinato em Memphis no
dia 4 de Abril de 1968 foi o troféu que logrou alcançar. Mas o sonho ficou como
inspiração e garante de futura realidade.
O
mesmo ideal democrático alimentou o general Adalberto Sousa Dias e seus camaradas
de armas, deportados em grande parte na Madeira, às ordens de Oliveira Salazar. Foi em 4 de Abril de 1931. Tal como Luther King, o sonho dos revoltosos consistia em barrar o caminho da ditadura
que dava então os primeiros e já galopantes passos em Portugal. Repor a
democracia ameaçada em todo o país era o seu programa político e não, como décadas
mais tarde, se aproveitaram os pseudo-autonomistas, herdeiros do fascismo
nacional, deposto na revolução de Abril, que abusivamente chamavam os oficiais
de 1931 como precursores de uma Autonomia musculada e falsa, controlada e
manietada pelo novo ditador reinante pós-Revolução dos Cravos. Tal como Luther
King, que soube canalizar a luta dos negros por um tratamento igualitário nos
transportes públicos, assim os corajosos militares tentaram transformar em luta
democrática a revolta popular contra o monopólio da farinha, publicado nessa
data. A Revolução foi abafada, assassinada pelo regime salazarista. O degredo,
as prisões, a desgraça social e financeira arrasaram os seus heróis e respectivas
famílias.
Em
4 de Abril de 2018, sétimo dia da partida definitiva de Manuel Mendonça
Viveiros, 89 anos plenos, motorista de profissão e homem do Povo, nascido da ruralidade mais
profunda da área de Machico, deixou no chão do campo e da cidade a marca indelével
dos seus passos esclarecidos e decididos na história local. Afrontou a já
citada falsa autonomia da Madeira, lutou pela verdadeira Autonomia do Povo, no
poder autárquico, no processo económico-social e cultural das suas gentes, com
particular acento no combate ao “leonino contrato de colonia” que oprimiu
durante séculos o campesinato madeirense. Inapagável a oposição porfiada, mas
pacífica, ao conluio Diocese-Governo quando foi sitiada e devassada por 70
polícias a igreja da Ribeira Seca, em 1985. De assinalar, enquanto sindicalista
exemplar, a defesa da classe dos
motoristas da SAM, o que lhe acarretou dissabores e retaliações de vária
espécie. Honra e louvor à sua obra!
Três
coerentes obreiros de um “mundo novo” – três almas gémeas, embora separadas no
tempo e no espaço, mas tocadas pelo mesmo Espírito! São estes que tornam
verdadeiramente Ímpar o Dia 4 de Abril! Por isso, dedicamos-lhes – a todos eles! - a mesma eloquente e emotiva mensagem
musical que acompanhou, à saída do templo, o cortejo, a um tempo fúnebre e
triunfal, do inesquecível companheiro de estrada, Manuel Mendonça Viveiros:
Grândola, vila morena…
O Povo é quem mais ordena”
E
a canção de Machico, cuja vivência serviu de inspiração:
Ó Terra Nova, raiz de um mundo novo
Gente de luta mas formosa e gentil
Tu serás sempre a voz do nosso Povo
Machico sempre – sempre Terra de Abril!
………………………………………………………….
03,Abr.18
Martins
J+unior
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