Porque
hoje é Sábado, véspera da grande apoteose, não há tempo a perder, Organizem o casting, tragam todos, de perto ou de
longe, seleccionem os melhores, mas não excluam ninguém, porque amanhã,
madrugada pronta, é preciso cortar a porta férrea do cemitério e abrir a
sepultura. De imediato, o sortilégio, o grito de vitória soltar-se-á de um
corpo redivivo: “Eis-me de novo, Ressuscitei”!
Era
num guião destes que eu alinharia já, como simples figurante, fosse qual fosse
o programador de cena.
Descontados
os contornos hiperbólicos da narrativa, o que me apraz verificar durante esta
Semana Maior é a atracção fatal para o trágico, uma vertigem congénita para o
abismo, para o sangue, enfim, para o crime consumado. É ver a trama masoquista
destes dias, o preciosismo de certos cortejos processionais, o requinte doentio
dos pormenores, os crepes arroxeados,
negros, os pálios medievais, as vestes tipo sumos-sacerdotes de Jerusalém, “o
descendimento da cruz”, agora exposto em hasta pública, candidato a património
imaterial. E, depois, o enterro do Senhor, com direito a fanfarra fúnebre.. É
bonito, comovente, turístico e até “dá dinheiro à economia e à autonomia”… Parece inesgotável a nascente lacrimejante que
brota do coração da cristandade, Talvez porque não se ouviu ainda a fala do
Cristo às mulheres de Judá: “Por Mim, ninguém chore”. Estranha filia esta de
extasiar-se diante de alguém, indefeso, quase nu, esvaindo-se em sangue numa
cruz! Quem gostaria de ver seu pai ou sua mãe repetidamente retratados naquele
fatídico cadafalso?,,,
Milhares
e milhares de encenações deprimentes sucederam-se nestes dias. Nos altares,
despiram-se as toalhas de linho, Nas catedrais, os prelados benzeram os “Santos
Óleos”. E, no meio de tão desviantes rituais, onde é que está o anúncio do
Cristo Vitorioso? Quem lhe prepara a reconstituição simbólica, quem lhe põe em
condigno alto-relevo a pujança desse gesto
glorioso, quem toca a rebate e quem põe
a multidão em marcha para trazê-lO de volta ao nosso convívio???... Os liturgistas
oficiais preferem que os crentes adormeçam junto ao cruzeiro, na enxerga da
derrota, em vez de fixarem o olhar no brilho fascinante daquele que cantou e
canta sempre Vitória.
Assim
como, para Pascal, “Jesus está em agonia até ao fim dos tempos”, assim também o
mesmo Jesus está em constante “re-incarnação”
vitoriosa até aos confins da história. Depende de nós, actualizar esse triunfo
sobre a injustiça e a mentira organizadas. Não serão nunca as lágrimas pias que
conseguirão trazê-lO de novo. É a vida, a acção, é mesmo a luta persistente contra
os obreiros da morte, os Anás e Caifás, os mercenários de Herodes, tantas vezes
acobertados nos cofres dos santuários. Foi assim que o Grande Vencedor ganhou “o
duelo entre a vida e a morte”.
NA
TUA (e na minha, na nossa) MÃO – A RESSURREIÇÃO – é a palavra de ontem, de hoje
e de sempre, encimada no nosso templo, salão nobre da comunidade, Casa-Mãe da
nossa crença n’Aquele que se quer vivo, dinâmico, revolucionário pacífico das
mentalidades e dos costumes!
Ainda
espero o toque de clarim para derrubar os muros de luto, abrir os sepulcros e, enfim, cantar um Alleluia que não morre mais.
31.Mar - 1.Abr.18
Martins Júnior
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