De
17 para 18 de Março, a noite fez-se dia. Um outro dia, diferente e lúcido,
marcado pela distância que vai entre o medo e a confiança, entre a escravidão e
a liberdade. Tudo porque foi o silêncio dessa noite que trouxe o clarão da
alvorada, aberta e limpa, para toda uma população que, desde 27 de Fevereiro, tinha
sido perseguida, manietada, proibida de entrar na sua casa comum – a igreja da
Ribeira Seca. E que notícia foi essa? E a história responde: “Nessa mesma
noite, de 17 para 18, pelas três da manhã, os polícias abandonaram o adro e a
igreja. Foram embora definitivamente”.
Ao
longo destes últimos dias, o SENSO&CONSENSO
tem rememorado alguns episódios
desse escandaloso assalto ao templo em 1985 por 70 efectivos policiais, às
ordens do governo e da diocese. Muito ficou por contar. Provavelmente haverá
oportunidade para completar o cenário então vivido. Hoje, assinala-se a
presença de amigos corajosos que, no aceso da luta, apoiaram o Povo desta localidade. “Há sempre
alguém que resiste”!
Na
altura, os primeiros apoios vieram do famoso grupo musical “Os Trovante” que
tinham actuado no palco da Ribeira Seca em 1982 e, por isso, conheciam bem esse
Povo. Logo depois chegaram dois outros telegramas: um do cantautor Zeca Afonso e
outro dos artistas Sérgio Godinho, Júlio Pereira e Paulo Pulido Valente, em “apoio à luta do Povo
contra as prepotências”. Em 2 de Março de 1985, “Um Grupo de Cristãos de Gaia” escreveu ao Bispo Teodoro Faria uma carta
aberta, de profundo teor eclesial, “repudiando o caso e esperando que V.Ex.Rev.ma
se abra ao diálogo com o Povo do Machico e com o Pe. Martins, a quem
manifestamos a nossa solidariedade”.
Mas
o testemunho que mais profundamente calou nas gentes da Ribeira Seca foi uma outra
carta aberta ao Bispo do Funchal, assinada pelo Padre Mário Tavares Figueira,
então pároco de São Tiago, Estreito de Câmara de Lobos, à qual deu o seguinte
título: “PARA ESTAR COM O BISPO É PRECISO QUE O BISPO ESTEJA COM CRISTO”. Foi
um tremendo, mas positivo, sobressalto no clero e nos cristãos da Madeira. A
carta, escrita “com muita mágoa e depois de muita oração e de muito reflectir”,
apoia-se primeiramente nos textos bíblicos, no Concílio Vaticano II e na encíclica
Pacem in terris, do Papa João XXIII.
Transcrevo breves parágrafos:
…
“Mas quem construiu aqueles espaços senão o Povo que reclama para si o direito
de celebrar o seu amor para com Deus?... Um bispo que se apresenta como um proprietário
de uma comunidade destrói a sua figura de representante dos Apóstolos… Sou
forçado a reconhecer que este proceder na Ribeira Seca foi um acto político,
oportunisticamente aproveitado por V.Rev.ma e muito bem explorado pelo Partido
Governante… Pareceram ladrões que se juntaram para fazer um assalto e repartir
os despojos… Há dois mil anos, o Sumo Sacerdote Caifás, com o apoio do Sinédrio
e para repor a Ordem, o Direito e Unidade, condenou JESUS. Mandou-O para
Pilatos, o Governador da Judeia e este, com a força policial, crucificou JESUS”.
“Fala-se
da não-violência, mas V.Rev.ma apresenta-se armado! Que grande contra-testemunho!...
Tantos cristãos há por esse mundo, convictos da Verdade. Se eles soubessem de
tanto lixo que a Igreja transporta, como ficariam escandalizados”!
Estamos em período quaresmal, celebramos o
Calvário de JESUS e sabemos que o calvário continua no meio do mundo. Neste
mundo, para compreendermos o sacrifício de JESUS de Nazaré, temos como imagem a
História da Ribeira Seca.
Que
pelo menos, Senhor Bispo, surja o sinal da Redenção”.
Submisso, respeitador,
mas muito triste,
Assina: Padre Mário
Tavares Figueira
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Histórias
que comovem e fazem pensar. A Ribeira Seca a todos agradece. A Frei Bento
Domingues, a nossa profunda gratidão por estar connosco, amanhã, domingo, às
9,30 h na igreja renovada da Ribeira Seca.
17.Mar.18
Martins
Júnior
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