Cá
vamos nós no doce embalo da Semana Maior do ano, aconchegados ao colo da Mãe-Igreja, seja a romana, a luterana, a
americana dos “Últimos Dias” e todas aquelas que se mostram no híper das
crenças que crescem por esse mundo fora. É suposto que, por via delas, se respire
em toda a parte o cheiro a lilases de paz e a rosas de amor.
Mas não é assim tão linear e automática
a atmosfera do planeta, mesmo na sacra semana de cada ano. Porque sob o húmus
pacífico das religiões, acotovelam-se ciúmes
e ciladas, armas e bagagens. Por mais absurdo que isso nos pareça. Jerusalém,
por exemplo - esta semana cúpula e altar
do mundo - já conheceu contendas e massacres sangrentos,
paradoxalmente coincidentes com as históricas e mais sagradas efemérides.
Que oráculo profético ou mítica pitonisa
poderão decifrar este enigma?
Na
recta final do Festival Literário do Funchal, há pouco realizado,
posicionaram-se as três religiões mais poderosas da era actual: a católica, a
judaica e a muçulmana, representadas respectivamente por Frei Bento Domingues, Esther Mucznik e
David Munir, sendo moderador o jornalista João Céu e Silva. Por mais ecuménicas que fossem as suas juras de diálogo, afrontava-me
a vista e estampava-me os tímpanos este tríptico inultrapassável: a guerra sem
tréguas dos judeus contra os povos confinantes, acompanhadas de pragas como
esta: Ó Deus Iahveh, abençoa aqueles que pegarem nas crianças dos nossos
inimigos e as despedaçarem contra os
rochedos. (Salmo 135). No segundo
quadro, via eu a hipocrisia e o furor das Cruzadas da ‘Terra Santa’, para já não
falar da rapariga de Orleães condenada à fogueira pelos bispos franceses. E,
por fim, estremeciam-me os gritos “Alá é Grande”, regados com sangue de inocentes.
Todas “guerras santas”! Verdade que, no palco do Teatro Baltazar Dias, os três
líderes religiosos teceram os maiores elogios à nova aurora que envolve as
religiões, tendo por supremo arco-da-aliança a figura do Papa Francisco. Foi Bento Domingues quem proficientemente explanou esta causa.
Lembrei-me, então, da eloquente máxima do maior
teólogo vivo Hans Kung, equiparada à proclamação insistentemente desenvolvida
por outro teólogo de primeira água, o Prof. Anselmo Borges: Não haverá paz entre as nações, enquanto não
houver paz entre as religiões.(respectivamente, Religiões do mundo e Religião
e Diálogo Inter-religioso).
Religiões e Nações: estranha relação
esta de causa e efeito, de antecedente e consequente. Onde coincidem as duas?
Em que cartório notarial se consorciam? Ou em que cama ou sofá se entregam e
procriam?... Importante encontrar resposta, porque a Nação, enquanto poder
político, não sobrevive sem a Religião, poder paralelo. Sempre foi assim, em
todos os reinos do mundo. E Luís Vaz de Camões definiu-o, sem apelo nem agravo,
ao priorizar a religião na aventura ou no assalto dos Descobrimentos: Dilatar a Fé e o Império.(Canto I,2).
Sem
mais prolegómenos, entendo que na economia dos impérios a Religião só pesa se
tiver poder. Aos chefes das nações só interessa o poder fáctico, ainda que embalsamado
de incenso, que uma Igreja detém no todo nacional. E se, ao poder efectivo,
unir o capital, então aí está entronizado o regime híbrido, “nó de víboras”, em
que, como a luva na mão, o soberano político enlaça-se ao soberano religioso,
por mais obscena que seja essa união de facto, desde que sirva sempre o mais
forte contra o mais fraco. Abramos a história de ontem e de hoje e em cada
capítulo lá encontraremos “a marca industrial” da firma Igreja-Estado. Brada aos céus e rasga
a consciência colectiva ver como certos mercenários da Religião tão impunemente
a prostituem! Já, no século V, o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona,
censurava a Igreja de então, chamando-lhe Casta
meretrix – “casta prostituta”.
Daí,
a ridícula competição entre igrejas e religiões. Confesso o quanto me confrange
e diverte, ao mesmo tempo, esse cardápio rádio-televisivo em que aparece a
sombra do locutor: “Agora é a voz desta religião, depois a voz daquela e ainda,
a seguir, a prédica daqueloutra “. Só me
soa aos ouvidos o tempo de antena dos partidos em vésperas de eleições. Enfim, “o
povo gosta”… O problema não está na diversidade de ideias, mas na venda do
produto ganhador de falsas hegemonias.
Na
Semana Maior ( e aqui perfilo-me em sentido) impõe-se-me uma questão de vida ou
de morte: “Quem quer seguir as pisadas do Mestre?... Fique já sabendo que o
consórcio empresarial Igreja-Estado lhe reserva não um trono, mas um patíbulo”.
Entretanto, encontrará o indizível Cântico da Paz: Os verdadeiros adoradores do Meu Pai são aqueles que o adoram em
Espírito e Verdade. (Jo.4,23).
27.Mar.18
Martins Júnior
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