Era
Domingo, o segundo do mês de Março. Como o de hoje, a terra verde da chuva que
caíra na véspera. O sol misturava-se ao sombreado das nuvens. O modesto templo,
construído pelo Povo, tinha sido encerrado na quarta-feira, 27 de Fevereiro, pelos
operários da Câmara Municipal, escoltados pelas dezenas de polícias que
ocupavam o adro. Diz quem lá esteve que as marteladas nos barrotes contra as
portas da igreja soavam às marteladas com que os carrascos pregaram as mãos e
os pés do Crucificado no monte Calvário. As pessoas, impedidas de entrar,
ficavam à distância, umas protestando, outras chorando, outras gritando.
Mas
agora era Domingo, dia da assembleia fraterna e da partilha do pão. O Povo
esperava a Eucaristia dominical. Para que ninguém entrasse em conflito com a
polícia, que não tinha culpa nenhuma daquele assalto, uma mulher corajosa levantou
a voz e deu a palavra de ordem: “Vamos todos para o montado, chama-se o padre e
faz-se lá a Eucaristia”. E assim se fez.
A
multidão acorreu, grande era a pressa, maior a sua fé. E entre Lombo do Xeque e
Moinho da Serra, fizemos a celebração fraterna. Impossível esquecer os olhos
daquela gente humilde, mas confiante e dolorida. Exilados, expulsos daquilo que
era seu.
Lá
à distância, ficava a igreja. Fechada. Rodeada de polícias. E ali no montado,
outro templo se erguia: o chão era a terra, cultivada com suor e lágrimas. As
paredes as altas montanhas do vale. E a cúpula a abóbada celeste que a todos
abraçava. Onde estaria Deus? Nas paredes da igreja, trancada e martelada pelo
poder diocesano e pelo poder regional? Ou ali, no meio daquela assembleia
campal de irmãos, homens, mulheres, pais, filhos, crianças, idosos?
Não
houve hóstia nem altar. Mas a comunhão foi mais emotiva e autêntica porque em
cada coração estava o altar da fraternidade e a chama de uma vitória que não
nos seria negada. Os ímpetos da justa revolta da consciência foram ali sublimados
e consubstanciados na prece do PAI-NOSSO, sentido como nunca. Só me ocorria ao
pensamento a eucaristia de Natal celebrada em plena floresta moçambicana nos
abrigos, sob a ameaça das granadas de guerra! …
Uma,
duas, três semanas, à espera do fim do cativeiro…dentro da própria casa. Sem
crime algum, sem mandado judicial. Na Madeira, pouco ou nada se sabia. Como
hoje, nada se conta, nada acontece, no ANO “33”. Só a comunicação social do
Continente informava os portugueses e, por via dela, os madeirenses que lhe
tinham acesso.
Os
episódios continuaram até ao 18 de Março. Muito há que contar.
Razão
teve a população quando mais tarde escreveu em calhau branco roliço naquele
recinto:
“ESTE
CHÃO É UM CHÃO SAGRADO,
ONDE
CANTÁMOS VITÓRIA”.
11.Mar.18
Martins Júnior
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