Quem
diria que num monstro disforme da selva iria eu encontrar a beleza de um poema
e o mistério genesíaco da vida e morte do Universo! Porque era meu impulso
primeiro escrever a mais emotiva e profunda apoteose da Natureza, quando me
trouxeram a notícia: “Morreu no Quénia o último rinoceronte branco-do-norte
macho, de nome ‘Sudão’ (país onde nasceu) e, com ele, morreu toda a sua subespécie”.
Tinha 45 anos e estava guardado sob
escolta, ao abrigo dos caçadores furtivos. “Era o embaixador dos rinocerontes e
um alerta vivo contra os predadores de outra subespécie de rinocerontes. Era
gentil e nunca revelou sinal algum de agressividade”. A notícia mais informa:
estão no planeta há 26 milhões de anos e em meados do séc.XIX eram cerca de um
milhão em África. Quando ‘Sudão’ nasceu, em 1973, a população da sua subespécie
cifrava-se nos 700 indivíduos. E anteontem caía a bomba letal: “Nunca mais no
mundo haverá outro rinoceronte branco do norte”. Razão: porque ‘Sudão’ não
deixou nenhum herdeiro-macho, apenas duas ‘filhas’ – Najin, de 28 anos e Fatu,
de 17.
Requiem,
a finados dobrados, por uma ‘tragédia’, a que poucos humanos dão cuidado!
Oh,
o turbilhão de incógnitas e vulcões ancestrais que o gigante caído no chão me
atravessa nestes dias! Desde o regresso aos primórdios da Criação e à Origem das Espécies” de Charles Darwin,
até à evolução da vida e à sua extinção, todo o mistério da existência, como epifenómeno
orgânico de todo o ser vivo – e, daí,
de todo o composto psicossomático que nos define – tudo isso perpassa diante de
mim, E então, a toada fúnebre do Requiem explode
num Cântico de Alvoroço à Natureza.
O
poder e a força da Natura!...
O
homem, a ciência, os robots, os
foguetões e os satélites, a inteligência artificial - onde páram e onde se escondem? Não poderão
eles substituir-se ao velho ‘Sudão’ e fabricar o esperma do rinoceronte branco e
injectá-lo nas duas fêmeas que lhe foram oferecidas nas paisagens do Quénia? Oh,
a fragilidade do Homo Sapiens e a
omnipotência da Mãe Natureza! Apraz-me repetir o nosso épico: “ Vejam os sábios
na Escritura que segredos são estes da Natura” (Canto V, 16-25). Penetrando no mais íntimo desta aventurosa viagem,
faltaria perguntar se alguma força divina ou mensageiro supra-lunar seriam
capazes de fazer o milagre da ressurreição da subespécie ‘Sudão’?...
Nem
os humanos nem os sobrehumanos, nem os terrestres nem os celestes têm procuração bastante da Natureza para reerguer um
só exemplar dos milhões e biliões de rinocerontes que foram donos do planeta!
Vou
mais adiante e sigo as pisadas de Stephen Hawcking (o genial astrofísico que
recentemente nos deixou) e perco-me na nebulosa onde ‘dormia’ o portentoso bosão, sémen primeiro de toda a evolução
do universo. E acredito agora no monumental Jardim Zoológico Terrestre, povoado
de míticas espécies, desde os dragões aos dinossauros, que a voragem dos tempos
e a mão assassina do homem estrangularam para sempre!
Faço
uma pausa e não prossigo mais, talvez
por falta de coragem de confrontar-me com outras e mais agitadas incógnitas a que
o tema conduz. Deixem-me glosar o mote desta noite, com este desafio: E se, um
dia, ao homem branco, europeu, asiático, africano, americano, acontecesse o que
sucedeu ao rinoceronte sudanês?... Com os atentados à ecologia, a saturação da
terra explorada, as armas químicas, as guerras nucleares, até quando estará por
aqui o “rei da criação”? Até quando o homem deixar-se-á sobreviver?...
Oh
monstro pré-histórico, pacífico adamastor da selva, mesmo tombado no chão,
ainda nos mandas, impotente e gentil, recados de mestre e mensagens eternas!
Saibamos acolhê-las.
23.Mar.18
Martins Júnior
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