Está
na ordem do dia o julgamento. Seja o dos arguidos individuais e o das associações
criminosas colectivas na barra dos tribunais, seja o julgamento da res publica nas urnas de voto, seja
ainda o julgamento popular nas páginas dos jornais e afins. Julgar, sentenciar
é o que está a dar. Mas o mais importante é penetrar nos labirintos da causa e
ver as peças carreadas no processo, as motivações e a direcção da investigação,
a acusação e o contraditório, até à descoberta
da verdade, sem reticências nem titubeações, desvios ou mistificações.
É
nesta objectiva que assento o olhar, no início da semana, para entender a
casuística histórica que envolveu o julgamento mais hediondo registado nos
anais da Justiça humana – o assassinato do Nazareno, o Cristo Histórico. Assim como nas sentenças
várias dos tribunais abundam e superabundam as mais diversas e sofisticadas interpretações
– políticas, corporativistas, suspeitosas, financeiras – assim também a
criminosa condenação lavrada no pretório de Pilatos foi repetidamente mistificada, embalsamada,
quase que perfumada no bálsamo oleoso de uma religiosidade diáfana, que dá pelo
nome de salvação, por força da qual se construiu esta monstruosa, impossível narrativa: um Pai, ofendido por um estranho à
família, exige para sua satisfação pessoal a matança do próprio Filho!
E
pronto, fica tudo resumido, explicado, bem decidido e sem recurso. E canta-se e
chora-se e incensa-se e ostenta-se, como um troféu, Alguém, espetado em dois toros
de madeira, um inocente, um benfeitor da humanidade. Onde o corpo de delito?
Onde o fundamento da acusação? onde a tramitação do processo? Onde os autores
do crime?
Ao normal investigador da história não
satisfazem as divagações místicas de um facto concreto, cruel, sangrento. Não
se trata de um filme, género Mel Gibson, para candidato ao ‘Óscar’ de um
qualquer festival MOTELx. nem mesmo de
um guião para um retiro dos espíritos. É um corpo humano, que tem nome e
história, com um percurso visível e notório, com um programa publicamente
conhecido e com uma meta definida, tragicamente interrompida. E, diante do honesto
observador, ficam sempre de pé, como
barras de fogo, as veementes interrogações: Quem matou? Porquê? Como?
Ontem,
o texto bíblico, lido em toda a parte, diz tudo: Ele chegou ao Templo de Jerusalém, viu as bancas dos negociantes que vendiam
animais, bois, ovelhas, pombas. E viu as mesas dos banqueiros e cambistas.
Pegou num azorrague e expulsou-os todos dali, derrubou mesas e bancas e gritou:
Aqui, o Templo não é casa de negócio, é casa de oração. Vós fizestes dele um
covil de ladrões.
Estava
lançado o repto, que levaria à sentença capital.
Noutra
altura, o Nazareno curou um hidrópico, em dia de sábado e foi, por isso,
censurado pelos Sumos Sacerdotes, os Donos da Religião oficial. Ele respondeu: O Homem não foi feito para o Sábado, mas ao
contrário, o Sábado é que foi feito para o Homem. Blasfemo, Satanás,
Belzebu, vociferaram eles. É réu de morte!
Mais
tarde, as mulheres, até as socialmente marginalizadas, foram aceites por Ele e
promovidas à dignidade plena de seres humanos, portadoras de direitos e
garantias sociais – outro factor de indignação e matéria grave de acusação, por
parte da classe pontifícia judaica.
Em
três tópicos, está desvendado o ‘mistério’ oculto nos crepes do mórbido
devocionismo da tradição religiosa. Os assassinos de Jesus foram os Donos da
religião do povo judeu, unidos por arrasto ao poder político. O processo foi o
mais ilegal e fraudulento, porque maquiavelicamente armadilhado até ao mais
ínfimo pormenor. O corpo de delito: a Nova e Verdadeira interpretação do Homem
e da Terra, trazida pelo carpinteiro da Galileia e pelos doze ‘reformadores’,
os pescadores do mar de Tiberíades. Era a destruição do regime do terror sacro
e do império da ignorância, era a transição da ditadura opressiva para a redenção libertadora do Homem a caminho da sua
plena realização.
Como
Ele e seus ‘compagnons de route’ são às centenas e milhares todos aqueles e
aquelas que afrontaram o reino das trevas, mesmo que sujeitos a perversos julgamentos.
É-nos
sumamente reconfortante analisar o processo histórico da Crucifixão – de todos
os crucificados do mundo - numa altura
em que comemoramos o Ano “33” do assalto ao modesto templo da Ribeira Seca, em
Machico, por ordem do ‘Sumo Sacerdote’ da diocese, unido ao poder político da
Madeira.
05.Mar.18
Martins Júnior
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