domingo, 9 de julho de 2023

OS MONSTROS AUTOFÁGICOS – DE ONTEM E DE HOJE. QUE FAZER?...

                                                                      


Que mau gosto esse para um início de verão! – dirão todos os que virem aqui reproduzida a primeira página do Charlie Hebdo. E mais estupefactos ficarão se eu disser que escolhi esta tremenda - mas genial ilustração do cartoonista do corajoso periódico francês – escolhi-a como fundo de reflexão inspirada no LIVRO, esse manancial inesgotável que me puxa para os blogues de fim-de-semana.

Há um denominador comum estre o cartoon de 2023 e o texto de Zacarias Profeta, do ano 520 A.C. Separam-nos 26 séculos, mas é o mesmo o fio condutor que os une: a Guerra! Terrivelmente, a Guerra – sempre o mesmo monstro desumano, degradante! Mas ao mesmo tempo, parece, indissociável e congénito à condição humana. Aliás, a Bíblia (O LIVRO) a par de estâncias de altíssona ascese, é também um longo chão coalhado de sangue, escaramuças tribais, violências domésticas, enfim, despojos de guerra, dos quais os hebreus saíam quase sempre derrotados, invocando depois a mão poderosa de Deus Ihaveh para vingar os inimigos, caso do Saalmo 136, entre muitos outros.

Vamos então ao estranho paralelo: LIVRO-Charlie Hebdo, ou, mais precisamente, o elo que os liga, a conflitualidade beligerante, que marcou a época de Zacarias e do rei Dario, no século VI, A.C., e a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, no século XXI. Tudo, para responder-se à dramática questão que se põe actualmente: Rendição ou Morte. Por outras palavras: quais os caminhos para a Paz: Resistir ou entregar as armas?!...

O texto bíblico dar-nos-á pistas e argumentos. Trata-se da alvorada  da Paz, após todos os tumultos e batalhas sangrentas. Surpresa maior é a vitória do mais fraco sobre o mais forte. O vencedor anunciará a Paz a todas as nações, o seu domínio irá  de um Mar ao outro Mar e do Rio até aos confins da Terra (Zac. 9, 9-

-10). Vaticinando a futura entrada de Jesus em Jerusalém, em Domingo de Ramos, descreve a humildade do vencedor nos seguintes termos: Exulta de alegria, filha de Sião, Eis o teu Rei, justo e salvador, que vem ao teu encontro, humildemente montado num jumentinho.

Um sonho cor-de-rosa, instantâneo mágico que fez brotar a oliveira da Paz sobre um rochedo de basalto impenetrável?!... Pura ilusão! Porque antes da conquista da Paz, o Profeta explicita, sem sombra de dúvida, a estratégia e a logística para lá chegar: Guerra, sempre a guerra. Sigamos a narrativa de Zacarias:

 

Ele, o vencedor  exterminará  os carros de guerra de Efraim e os cavalos de Jerusalém, quebrará todos os arco de guerra… A cidade de Tiro será consumida pelas chamas, o seu poderio lançado ao mar. Eu destruirei a soberba dos Filisteus. Farei desaparecer o rei de Gaza… Tirar-lhes-ei da boca  o seu  sangue e a abominação de entre os seus dentes… Serei Eu próprio uma sentinela contra os vadios e o tirano não passará, porque Eu atendi à  miséria do Meu povo.

Este o sudário cruento de séculos do povo hebreu que, por ironia da história, cantava o Shalom, Shalom, Cidade da Paz,, a canção hierolimitana ainda hoje propagandeada pela voz de Joshua Aaron. Comparemos os 500 dias de guerra russa na Ucrânea, ‘carros de combate e cavalos de guerra’ – tanques, drones, mísseis. A poderosa Jerusalém aproximemo-la do império czarista de Moscovo e o ‘pequeno e fraco’  Volodymyr Zelensky coloquemo-lo ao lado do possante tricéfalo Putin--Wagner-Prigozhin. E interroguemo-nos sobre quais as semelhanças e quais as diferenças. E quais as soluções. De um lado o assaltante indomável, sem escrúpulos, do outro o espoliado das suas terras e forçado a abandonar a própria casa.

Apetecível seria a solução construída por Gandhi, Mandela, ou mesmo a da nossa “Revolução dos Cravos”, sem derrame de sangue. Aliás, o sangue já vinha sendo derramado na guerra colonial. Sangue e ossos e vidas sepultas.

Que fazer, se o ladrão só propõe e aceita a Paz sob condição de continuar com o património, mais claramente, com os bens e a carteira, que roubou à vítima espoliada?...

Sem pretender formular tese sobre o princípio clássico: si vis pacem, para bellum – se queres a paz prepara(-te para) a guerra – trago à colação um excerto da Alocução de Pio XII, no Natal de 1948, citado pelo teólogo Bernhard Haring, na sua obra monumental Das Gesetz Christi- A Lei de Cristo – Edit. Herder, Brasiil, 1950:

 

Negar, categórica e incondicionalmente, ao Direito o apoio da força, é permitir que a força tripudie sobre o Direito, é entregar a Humanidade à mercê de desordem ainda pior, que é a violência moral.

À consideração superior.  Da nossa consciência colectiva. Que o horror da gravura em epígrafe suscite o horror aos monstros autofágicos das estepes russas.  Só espero que as reprováveis ‘ bombas de fragmentação’ nunca sejam utilizadas pela Ucrânea, sirvam apenas de ameaça e não mais.

“Shalom, Shalom” - vou, entretanto, ensaiando com Joshua Aaron a almejada Canção da Paz Universal.

 

09.Jul.23

Martins Júnior

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