domingo, 2 de julho de 2023

O DIA DO ACHAMENTO OU A HORA DO DESCOBRIMENTO?!... NÃO ESPERES ACHAR, LUTA POR DESCOBRIR !

                                                                                


“Ó São Lourenço, chega”! – assim gritou o capitão ao marinheiro-mór da nau ‘São Lourenço’ quando se aproximava  do ilhéu que tomou o mesmo  nome e, aproveitando a acalmia fugaz das  vagas alterosas, transpuseram as caravelas do Senhor Infante  o nosso ‘Cabo das Tormentas’ que hoje tem a expressiva alcunha de ‘Boqueirão’.

Assim se consumou a grande aventura dos mares definida como Descobrimento, para uns. Para outros, porém, não passou de um feliz Achamento. Aconteceu em 2 de Julho de 1419, segundo os cronistas coevos, entre os quais Gomes Eanes de Azurara, João de Barros, Damião de Gois. Por isso, Machico, a baía segura, aonde aportaram Tristão e Zargo, respeita a fidelidade histórica do acontecimento, mesmo que outros teimem em fazer a Nau “São Lourenço” vestir-se de amarelo, um dia antes da chegada.

Achamento ou Descobrimento?!...

Quer em termos de hermenêutica histórica, quer em normas de interpretação semântica, deixemos o Achamento aos pioneiros da lusa marinhagem, aqui chegados após hipotéticos navegadores fenícios, gregos, genoveses, escandinavos. Para os povoadores e seus herdeiros ficou o Descobrimento. Porque Achar custa menos que Descobrir. Achar é o fruto casual de circunstâncias fortuitas. Descobrir exige o labor intenso da pesquisa, conhecimento, descrição analítica, empenho e determinação. E este resiliente somatório não se compadece com a improvisada surpresa do Achar.

Achada ou encontrada a jazida de ouro, falta o hercúleo esforço de descobrir o valor, a profundidade e a envolvente para dela extrair todo o seu potencial – falta tudo! – sob pena de condená-la ao primitivo estado selvagem. Vista a esta óptica a mundividência de uma sociedade ou de qualquer projecto civilizacional,  é lógico concluir que a tarefa de Descobrir assume as volumosas dimensões de um processo contínuo e sempre inacabado, a cuja realização são convocadas todas as gerações passadas, presentes e futuras.

Individual ou colectivamente, toda a vida não passa de um episódio ou de uma cena única no Grande Teatro do Mundo, da História. A cada figurante – pessoa, família, colectividade, ilha, continente – cabe o mandato de descobrir (leia-se, aprofundar e desenvolver) o Achado que lhes foi oferecido pela geração anterior.

Neste entendimento, coube a Tristão e Zargo a tarefa iniciática do Achamento. A Descoberta é o legado que deixaram para os sucessores, os futuros inquilinos e usufrutuários do tão cobiçado paraíso insular. E que fizeram dele os detentores de seiscentos anos de herança privilegiada?

Convenhamos que mais importante que Achar é o Descobrir, embora sem o primeiro não se consiga o segundo grande feito.  E aqui surge o grito apoteótico, galvanizador, na voz de Geraldo Vandré:

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

Esta é a nossa hora. De todos! Seja qual o estatuto, o lugar, a crença.

O estatuto é o de construtor, o lugar é a cidade ou a aldeia, a crença é a fé ou a determinação  de acrescentar valor ao Achado, chamado Ilha, Arquipélago!

Dois apêndices quase contraditórios, mas inversamente eloquentes, das comemorações do 1 e 2 de Julho/23:

No salão nobre do Parlamento Regional, foram entregues merecidas comendas a personalidades notáveis da Região, agentes do genuíno Descobrimento desenvolvimentista. No entanto, pergunto: quando chegará o Dia Nobre de condecorar os artífices da Ilha, desde o camponês que põe o trigo, o vinho e a fruta na mesa dos brasonados oficiais, até ao pedreiro que lhes faz casas e palácios, ao pescador que lhes traz o peixe e as lapas grelhadas, ao canalizador, ao serralheiro e ao electricista que  lhes põe o carro em marcha. E sobretudo à Muher que lhe engomou a camisa e lhe ajeitou a gravata para a magna cerimónia das medalhas?!... Numa palavra, o trabalhador braçal ao lado do trabalhador intelectual?! Porque ambos pertencem ao galarim dos “Descobridores”!

Em Machico, a Junta de Freguesia celebrou o Dia do Achamento, não na centralidade administrativa da autarquia, mas num sítio periférico, marcado pela ruralidade, mais precisamente no salão paroquial do Piquinho, por simpática cedência do seu pároco. Na simplicidade nativa daquele ambiente, ficou definida a homenagem à terra e a todos aqueles que da enxada e da foice fazem a caneta e o manual, o pincel, o computador vivo que alimenta os produtores dos grandes planos regionais. São eles também autênticos promotores do Descobrimento!

 Cada um de nós também lá está, para confirmar factualmente que:

                                       Quem sabe faz a hora (a nossa!)

                                       Não espera acontecer !!!

 

01-02.Jul.23

Martins Júnior

1 comentário:

  1. Como sempre, uma "pena" brilhante..... Lembro do seu pai quando ia visitá-lo no Seminário.....

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