“Ó
São Lourenço, chega”! – assim gritou o capitão ao marinheiro-mór da nau ‘São
Lourenço’ quando se aproximava do ilhéu
que tomou o mesmo nome e, aproveitando a
acalmia fugaz das vagas alterosas, transpuseram
as caravelas do Senhor Infante o nosso ‘Cabo
das Tormentas’ que hoje tem a expressiva alcunha de ‘Boqueirão’.
Assim
se consumou a grande aventura dos mares definida como Descobrimento, para uns.
Para outros, porém, não passou de um feliz Achamento. Aconteceu em 2 de Julho
de 1419, segundo os cronistas coevos, entre os quais Gomes Eanes de Azurara,
João de Barros, Damião de Gois. Por isso, Machico, a baía segura, aonde
aportaram Tristão e Zargo, respeita a fidelidade histórica do acontecimento,
mesmo que outros teimem em fazer a Nau “São Lourenço” vestir-se de amarelo, um
dia antes da chegada.
Achamento
ou Descobrimento?!...
Quer
em termos de hermenêutica histórica, quer em normas de interpretação semântica,
deixemos o Achamento aos pioneiros da lusa marinhagem, aqui chegados após hipotéticos
navegadores fenícios, gregos, genoveses, escandinavos. Para os povoadores e
seus herdeiros ficou o Descobrimento. Porque Achar custa menos que Descobrir.
Achar é o fruto casual de circunstâncias fortuitas. Descobrir exige o labor
intenso da pesquisa, conhecimento, descrição analítica, empenho e determinação.
E este resiliente somatório não se compadece com a improvisada surpresa do
Achar.
Achada
ou encontrada a jazida de ouro, falta o hercúleo esforço de descobrir o valor,
a profundidade e a envolvente para dela extrair todo o seu potencial – falta tudo!
– sob pena de condená-la ao primitivo estado selvagem. Vista a esta óptica a
mundividência de uma sociedade ou de qualquer projecto civilizacional, é lógico concluir que a tarefa de Descobrir assume
as volumosas dimensões de um processo contínuo e sempre inacabado, a cuja
realização são convocadas todas as gerações passadas, presentes e futuras.
Individual
ou colectivamente, toda a vida não passa de um episódio ou de uma cena única no
Grande Teatro do Mundo, da História. A cada figurante – pessoa, família,
colectividade, ilha, continente – cabe o mandato de descobrir (leia-se, aprofundar
e desenvolver) o Achado que lhes foi oferecido pela geração anterior.
Neste
entendimento, coube a Tristão e Zargo a tarefa iniciática do Achamento. A
Descoberta é o legado que deixaram para os sucessores, os futuros inquilinos e
usufrutuários do tão cobiçado paraíso insular. E que fizeram dele os detentores
de seiscentos anos de herança privilegiada?
Convenhamos
que mais importante que Achar é o Descobrir, embora sem o primeiro não se
consiga o segundo grande feito. E aqui
surge o grito apoteótico, galvanizador, na voz de Geraldo Vandré:
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
Esta
é a nossa hora. De todos! Seja qual o estatuto, o lugar, a crença.
O
estatuto é o de construtor, o lugar é a cidade ou a aldeia, a crença é a fé ou
a determinação de acrescentar valor ao
Achado, chamado Ilha, Arquipélago!
Dois
apêndices quase contraditórios, mas inversamente eloquentes, das comemorações do
1 e 2 de Julho/23:
No
salão nobre do Parlamento Regional, foram entregues merecidas comendas a personalidades
notáveis da Região, agentes do genuíno Descobrimento desenvolvimentista. No
entanto, pergunto: quando chegará o Dia Nobre de condecorar os artífices da
Ilha, desde o camponês que põe o trigo, o vinho e a fruta na mesa dos
brasonados oficiais, até ao pedreiro que lhes faz casas e palácios, ao pescador
que lhes traz o peixe e as lapas grelhadas, ao canalizador, ao serralheiro e ao
electricista que lhes põe o carro em
marcha. E sobretudo à Muher que lhe engomou a camisa e lhe ajeitou a gravata
para a magna cerimónia das medalhas?!... Numa palavra, o trabalhador braçal ao
lado do trabalhador intelectual?! Porque ambos pertencem ao galarim dos “Descobridores”!
Em
Machico, a Junta de Freguesia celebrou o Dia do Achamento, não na centralidade
administrativa da autarquia, mas num sítio periférico, marcado pela ruralidade,
mais precisamente no salão paroquial do Piquinho, por simpática cedência do seu
pároco. Na simplicidade nativa daquele ambiente, ficou definida a homenagem à
terra e a todos aqueles que da enxada e da foice fazem a caneta e o manual, o
pincel, o computador vivo que alimenta os produtores dos grandes planos regionais.
São eles também autênticos promotores do Descobrimento!
Cada um de nós também lá está, para confirmar
factualmente que:
Quem
sabe faz a hora (a nossa!)
Não espera
acontecer !!!
01-02.Jul.23
Martins
Júnior
Como sempre, uma "pena" brilhante..... Lembro do seu pai quando ia visitá-lo no Seminário.....
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