A terra seca grita por um
fio de água e a epiderme estala de sede inteira. E ninguém como Florbela
Espanca viveu e transmitiu essa angústia febril, naquele soneto dedicado ao seu
Alentejo em brasa:
Árvores, corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão, remédio para tanta mágoa
Árvores, não choreis! Olhai e sede:
Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água
É desta água que nos fala o LIVRO
neste fim-de-semana, reinício daquela sede que rói a terra e despedaça as
almas. Água que suaviza o consciente, enquanto cá fora fertiliza a derme telúrica
em sulcos gritantes. Dela, dessoutra água invisível, conforta-nos Isaías
Profeta, quando anuncia às “árvores e às almas”:
Assim como a chuva e a
neve que caem do céu não voltam para lá sem terem regado a terra, sem a terem
fecundado e feito produzir, para que dê a semente ao semeador e o pão para
comer, assim a palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu
efeito, sem ter cumprido a minha vontade, sem ter realizado a sua missão. (Is.
55, 10-11).
Extemporaneo – dir-se-á – este pregão,
dado que estio é tempo de colher
e não de semear. Mas para a palavra, água e
semente em enxertie perfeita, todo o tempo é tempo e todas as estações são o
seu meio ecológico.
Oh,
o poder genesíaco da palavra, a força propulsora que a língua humana é capaz de
produzir e transformar o planeta, a história, os mares do futuro ‘nunca dantes
navegados’! A Palavra perdida no vácuo do primevo universo habitável, a Palavra
feita escrita na pedra, no papiro, no mármore, a Palavra de Homero, o discurso
de Demóstenes, os oráculos da Pitonisa, Zaratustra, Confúcio, o Nazareno, a
eloquência de Vieira, Lutero, Pascal, Kundera – e já me perdi na
vastidão galáctica dos glossários astrais. E ainda a Palavra dos pedagogos nativos,
dos mestres rurais, dos nossos pais que não tinham biblioteca, mas eram
catedráticos da vida.
Palavras
não nos faltam! Haja sede para subir às nascentes, haja boca e paladar para saborear
o pão que tais sementes produziram!
Elas
suavizam o braseiro do estio. Fertilizam as profundezas. Eternizam o genoma indefinido!
15-16.Jul.23
Martins
Júnior
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