domingo, 16 de julho de 2023

PALAVRAS DE ÁGUA QUE SUAVIZAM, FERTILIZAM, ETERNIZAM!

                                                                     


       A terra seca grita por um fio de água e a epiderme estala de sede inteira. E ninguém como Florbela Espanca viveu e transmitiu essa angústia febril, naquele soneto dedicado ao seu Alentejo em brasa:

                    Árvores, corações, almas que choram,

                    Almas iguais à minha, almas que imploram

                    Em vão, remédio para tanta mágoa

 

                    Árvores, não choreis! Olhai e sede:

                    Também ando a gritar, morta de sede,

                    Pedindo a Deus a minha gota de água

 

          É desta água que nos fala o LIVRO neste fim-de-semana, reinício daquela sede que rói a terra e despedaça as almas. Água que suaviza o consciente, enquanto cá fora fertiliza a derme telúrica em sulcos gritantes. Dela, dessoutra água invisível, conforta-nos Isaías Profeta, quando anuncia às “árvores e às almas”:

                    Assim como a chuva e a neve que caem do céu não voltam para lá sem terem regado a terra, sem a terem fecundado e feito produzir, para que dê a semente ao semeador e o pão para comer, assim a palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a minha vontade, sem ter realizado a sua missão. (Is. 55, 10-11).

          Extemporaneo – dir-se-á – este pregão, dado que estio é tempo de colher

 e não de semear. Mas para a palavra, água e semente em enxertie perfeita, todo o tempo é tempo e todas as estações são o seu meio ecológico.

Oh, o poder genesíaco da palavra, a força propulsora que a língua humana é capaz de produzir e transformar o planeta, a história, os mares do futuro ‘nunca dantes navegados’! A Palavra perdida no vácuo do primevo universo habitável, a Palavra feita escrita na pedra, no papiro, no mármore, a Palavra de Homero, o discurso de Demóstenes, os oráculos da Pitonisa, Zaratustra, Confúcio, o Nazareno, a eloquência  de Vieira,  Lutero, Pascal, Kundera – e já me perdi na vastidão galáctica dos glossários astrais. E ainda a Palavra dos pedagogos nativos, dos mestres rurais, dos nossos pais que não tinham biblioteca, mas eram catedráticos da vida.

Palavras não nos faltam! Haja sede para subir às nascentes, haja boca e paladar para saborear o pão que tais sementes produziram!

Elas suavizam o braseiro do estio. Fertilizam as profundezas. Eternizam o genoma indefinido!

 

15-16.Jul.23

Martins Júnior

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