domingo, 20 de agosto de 2023

O BISTURI DE SÃO ROQUE – UMA ANATOMIA HIPOTÉTICA DO MILAGRE

                                                                  


        Acontece no entroncamento onde se juntam o fim de uma sema semana e o início de outra: a passagem do LIVRO, desta vez coincidente com a evocação de uma personalidade histórica, nascida em 1295, cujo culto difundiu-se largamente em França (Montpellier, sua terra natal), Itália, Brasil, Lisboa e, mais perto de nós, Açores e Madeira: São Roque.

          A convite do pároco de São Roque do Funchal, Padre José Luís Rodrigues, usei da palavra na solene cerimónia litúrgica da festa do Orago da freguesia. É deste acervo didático-celebrativo que recorto aqui breves tópicos, contracenando-

-os com os textos que hoje são lidos a todo o orbe

Claudicada seria qualquer referência ao jovem de Montpellier sem recorrermos ao ‘Imperador da Língua Portuguesa’, Padre António Vieira, que nos deixou quatro famosos “Sermões”, ao seu estilo super-exemplar da oratória sacra, sobre São Roque. Por isso que não é tarefa de superfície tocar ou dissertar sobre o Patrono da freguesia, Co-Padroeiro do Funchal conjuntamente com São Tiago Menor e Primeiro Padroeiro de Machico, por decisão do Município, “desde a era de 1728, em que a peste afligiu esta ilha da Madeira” ( Anais do Mnicípio da antiga vila de Machico, pag.168).

Na centralidade de tão propalado culto está o atávico ‘instituto’ – para uns realidade divina, para outros puro mito oriundo do medo e da fragilidade humana – a que chamamos Milagre. A criatividade cultual dos crentes atingiu patamares imaginativos tais que até catalogou ‘especialidades milagrosas’ para cada Santo: a uns, as doeças pulmonares, a outros as ósseas e cardíacas, a outros as mazelas  oculares e otorrino. Há também os ‘especialistas’ para as diversas idades e profissões. São Roque foi proclamado patrono dos cirurgiões e, por inerência, o grande protector nas epidemias, historicamente contra a peste bubónica na Europa e nas ilhas, com maior incidência no Funchal e em Machico.

O Milagre!... Devo confessar que sempre me intrigou o quase-dogma de que o Deus Criador intervém directamente na obra da criação, um Deus ex-máquina, um Deus-Bombeiro, um Deus-Supervisor-Programador justo e atento. Sobretudo, a partir da manhã de 15 de Agosto de 1967, quando saímos de Mocímboa da Prais, em Cabo Delgado, rumo a Nambude: a viatura onde pretendia seguir viagem (por sugestão do comandante da coluna militar, mudei para outro ‘unimog’), passados uns 60 minutos, vi apavorado a dita viatura ‘voar’ pelos ares incendiada por uma enorme mina anti-carro escondida na picada. Levantá-los do meio da floresta, atirá--los para dentro da ‘berlié’, sepultá-los – onze covas! – abalou-se-me o peito e atónito interroguei-me: “Porquê eles e não eu?”, alguns deles casados, com filhos, outros deixaram crianças na barriga da esposa, as mães deles certamente rezaram e fizeram promessas à Senhora de Fátima para que voltassem à terra, vivos e sãos. Porquê eles e não eu?”.  Não há explicação atendível!... A vida é um bem precioso e único para todos e cada um!

É nas situações de dependência e absoluta fragilidade que entra Sua Divindade o Milagre – que mais não é que o nosso desejo projectado para outrem, concreto, tangível, mas sobretudo esotérico, invisível, supra.terrestre.

Porque o caso é demasiado profundo e longo, deixarei para o próximo dia o seu desenvolvimento, dentro de duas vertentes incontornáveis, já afloradas nestes textos. Primeiro: Jesus, o Taumaturgo da Galileia, nunca disse a nenhum dos bafejados pela cura: “Fui que te curei”. Segundo: São Roque, diz a história, realizou muitas curas, interpretadas como milagres, por meio do bisturi que levou consigo na viagem de Montpellier a Roma.

 

17-18.Ago.23

Martins Júnior

1 comentário:

  1. https://www.facebook.com/domingosperestrelomadeira/videos/314021691087411/

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