terça-feira, 8 de agosto de 2023

TUDO TOMOU O SEULUGAR, DEPOIS QUE A BANDA PASSOU” – Chico Buarque

                                                                        


        É tão empolgante o climax do grande evento, quanto descoroçoante a valsa lenta da despedida. A que se hão-de comparar os dois ritmos do acontecimento? À canção de Sérgio Godinho, a Quarta-Feira de Cinzas que fecha a apoteose da Terça-Feira anterior?... Ocorre-me, para melhor caracterização, “A Banda” de Chico Buarque, em que se desenha todo o encanto da filarmónica popular que percorre a cidade, levanta o ânimo da ‘moça que contava as estrelas e parou, do velho que esqueceu o cansaço, subiu ao terraço e dançou, da meninada que se assanhou e até da moça feia que veio à janela pensando que a Banda tocava pra ela’ .

          Cada qual no seu canto e, mutatis mutandis, a euforia não tem limites na órbita de quem a vive e sente. A alegria da JMJ transbordou para todos, todos os que durante uma semana inteira se autocognominaram de peregrinos, desde os que exprimiam a exclusiva motivação dos seus passos – Jesus, Deus, a Fé – até outros mais empíricos, como aquele que à pergunta do jornalista “Está gostando de ser peregrino aqui em Lisboa?” respondeu: “Muito, muito, bons restaurantes, boa comida, boa bebida e mulheres bonitas”. Nem é de menosprezar também o desabafo daquela mocinha: “Estou ficando triste, que isto vai acabar”.

          A realidade é essa. Regressam às suas casas, trazendo na bagagem um capital único, intraduzível, “Capital Imaterial” (talvez a melhor definição que lhe deu o Primeiro Ministro de Portugal), um sentimento a que a juventude injecta ímpetos de bem-fazer, “sem medo”, como pediu o Papa, em prol do seu país, a benefício do mundo todo.

          Mas o avião que os levou trá-los de novo, os milhares de jovens, que pisam a mesma terra, que percorrem os mesmos caminhos e enfrentam as mesmas dificuldades. Os da Coreia do Sul com os furacões que afugentaram os milhares de escuteiros reunidos no seu Jamboree mundial. Os da Grécia com o calvário de carne e osso (não de madeira) dos migrantes no cemitério dos mares. Os de Espanha à beira de um ataque de nervos para formar governo. Os da Europa de Leste com a tragédia de vidas caídas sob as balas assassinas. Enfim, os de todos os continentes, com o aquecimento global, os incêndios, os paraísos fiscais,  a exploração do capital sobre o trabalho.

          E mais cá dentro, os jovens frente ao problema da habitação, da entrada para o primeiro emprego, da degradação física e mental do espectro da droga, a que se junta a disputa do voto nas próximas eleições, ettc., etc.. Pegando na expressão divulgada pelo cardeal Manuel Clemente e pelo Papa Francisco, direi que passaram do “mundo virtual para o mundo real”.

          E que farão eles e elas?... Perder o medo e Lutar ou acobardar-se diante de interesses egoístas, classistas? E que farão os seus monitores, chefes, catequistas, sacerdotes? Pô-los de mãos erguidas para que caiam do céu as oliveiras da paz, ou as sementes da justiça social?... Respondam!

          Recolho-me no optimismo esperançoso de que sejam eles e elas “fermento na massa” de um mundo novo. Mas trava-me o entusiasmo o refrão final da “Banda”  de Chico Buarque:

                                       Mas para meu desencanto

                                       O que era doce acabou

                                       Tudo tomou o seu lugar

                                       Depois que a Banda passou

 

                                       E cada qual no seu canto

                                       E  em cada canto uma dor

                                       Depois de a Banda passar

                                       Cantando coisas de amor

 

          7-8Ago23

Martins Júnior

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