É
tão empolgante o climax do grande evento, quanto descoroçoante a valsa lenta da
despedida. A que se hão-de comparar os dois ritmos do acontecimento? À canção
de Sérgio Godinho, a Quarta-Feira de Cinzas que fecha a apoteose da Terça-Feira
anterior?... Ocorre-me, para melhor caracterização, “A Banda” de Chico Buarque,
em que se desenha todo o encanto da filarmónica popular que percorre a cidade,
levanta o ânimo da ‘moça que contava as estrelas e parou, do velho que esqueceu
o cansaço, subiu ao terraço e dançou, da meninada que se assanhou e até da moça
feia que veio à janela pensando que a Banda tocava pra ela’ .
Cada qual no seu canto e, mutatis
mutandis, a euforia não tem limites na órbita de quem a vive e sente. A
alegria da JMJ transbordou para todos, todos os que durante uma semana inteira
se autocognominaram de peregrinos, desde os que exprimiam a exclusiva motivação
dos seus passos – Jesus, Deus, a Fé – até outros mais empíricos, como aquele
que à pergunta do jornalista “Está gostando de ser peregrino aqui em Lisboa?”
respondeu: “Muito, muito, bons restaurantes, boa comida, boa bebida e mulheres
bonitas”. Nem é de menosprezar também o desabafo daquela mocinha: “Estou ficando
triste, que isto vai acabar”.
A realidade é essa. Regressam às suas
casas, trazendo na bagagem um capital único, intraduzível, “Capital Imaterial”
(talvez a melhor definição que lhe deu o Primeiro Ministro de Portugal), um
sentimento a que a juventude injecta ímpetos de bem-fazer, “sem medo”, como
pediu o Papa, em prol do seu país, a benefício do mundo todo.
Mas o avião que os levou trá-los de
novo, os milhares de jovens, que pisam a mesma terra, que percorrem os mesmos
caminhos e enfrentam as mesmas dificuldades. Os da Coreia do Sul com os
furacões que afugentaram os milhares de escuteiros reunidos no seu Jamboree
mundial. Os da Grécia com o calvário de carne e osso (não de madeira) dos
migrantes no cemitério dos mares. Os de Espanha à beira de um ataque de nervos
para formar governo. Os da Europa de Leste com a tragédia de vidas caídas sob as
balas assassinas. Enfim, os de todos os continentes, com o aquecimento global,
os incêndios, os paraísos fiscais, a
exploração do capital sobre o trabalho.
E mais cá dentro, os jovens frente ao
problema da habitação, da entrada para o primeiro emprego, da degradação física
e mental do espectro da droga, a que se junta a disputa do voto nas próximas
eleições, ettc., etc.. Pegando na expressão divulgada pelo cardeal Manuel Clemente
e pelo Papa Francisco, direi que passaram do “mundo virtual para o mundo real”.
E que farão eles e elas?... Perder o
medo e Lutar ou acobardar-se diante de interesses egoístas, classistas? E que
farão os seus monitores, chefes, catequistas, sacerdotes? Pô-los de mãos
erguidas para que caiam do céu as oliveiras da paz, ou as sementes da justiça
social?... Respondam!
Recolho-me no optimismo esperançoso de
que sejam eles e elas “fermento na massa” de um mundo novo. Mas trava-me o
entusiasmo o refrão final da “Banda” de
Chico Buarque:
Mas para
meu desencanto
O que era
doce acabou
Tudo
tomou o seu lugar
Depois
que a Banda passou
E cada
qual no seu canto
E em cada canto uma dor
Depois de
a Banda passar
Cantando
coisas de amor
7-8Ago23
Martins
Júnior
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