Não sou infodependente,
mas confesso a minha paixão pelos jornais, mais que pela rádio e televisão.
Nacionais ou estrangeiros, de todo o formato,, atiro-me instintivamente ao
papel volátil, sobretudo os seus cartoonista
e colunistas – mesmo os que detesto pela sua linha editorial e são os
que mais leio.
Embora sabendo que, como
Charles Peguy, “o jornal de ontem já é mais velho que a Odisseia de Homero”, aprecio
a originalidade, a paginação, os cambiantes gráficos (porque por aí também se
vêem o dedo e a pegada ideológica do
director ou do proprietário/dono do jornal e dos jornalistas) cultuo, como um
privilégio, a criatividade linguística, de acentuada tez semântica, tal
como lobrigo a olho nu a mediocridade, as fake news, as omissões
estratégicas, o desrespeito pelo público.
Apraz-me relevar hoje a
manchete de um periódico português que reza assim: “O ÓPIO DO POVO ESTÁ DE
VOLTA”.
Ainda na ressaca
optimista da JMJ, com o milhão e meio de peregrinos em êxtase diante do Papa,
seríamos levados a interpretar aquele título como o eco luso do alemão Karl Marx:
“A Religião é o Ópio do Povo”. Pura ilusão! A gravura que ilustra a engenhosa e
peregrina manchete – Eusébio, Peyroteu, Pavão – diz tudo: é o futebol que está
de volta. E aqui a metáfora não tem outro sinónimo senão o de ópio, droga,
estupefaciente!
E
o mais revelador de todo este epifenómeno é que não se trata de uma ficção nem
da mais esotérica virtualidade, pelo contrário, é a realidade nua e crua. Nem de
propósito: as imagens do Benfica-Porto de hoje, em Aveiro, provam-no à
saciedade.
Prescindindo
de grandes elucubrações psicanalísticas, o diagnóstico é a evidência: a
multidão precisa de “ópio”, venha ele donde vier. Porque a multidão é mais,
muito mais que a soma das partes que a compõem. É outro o seu ADN. E o combustível
que a alimenta não se compadece com a serenidade vigilante de critérios objectivos.
Exige uma vaga de fundo, avassaladora, que toque mais a emoção que a razão ,
uma espécie de furacão pentecostal que hipnotize a multidão e a varra para onde
quer que seja. Ontem e hoje a religião, ontem e hoje o futebol, hoje e amanhã a
campanha eleitoral, amanhã e depois a Inteligência Artificial, a voragem
publicitária. Afinal, que somos nós senão ridículas marionetes nos dedos ossudos
de ‘regies’ invisíveis?!
Felizes
aquelas e aqueles que dizem NÂO aos instintos gregários do rebanho e mantêm-se
imunes ao ópio das multidões.
Lembro
José Régio, parafraseando o seu Cântico Negro: Poderei até não saber parra onde
ou, mas “Sei que Não Vou por Aí”!
09-10.Ago.23
Martins
Júnior
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