domingo, 17 de maio de 2015

FUTEBOL, FÁTIMA E O REVOLTANTE FADO DE ANTEONTEM

Hoje serei lacónico e cirúrgico. Lacónico quanto a minha indignação, cirúrgico quanto o vírus mo exige. Até porque este fim de semana é suficientemente perdulário para fazer gastar toneladas de tinta e chuveiros de perdigotos aos microfones: ele é o futebol, ele é Fátima, ele é o fado.
         Na anatomia dos factos, escolho este último: o fado --- arranhado,  na voz do velho manequim-intérprete. E indigesto na letra irritante, porque passada, requentada, hipócrita e, por isso mesmo, insuportável.
         Refiro-me ao discurso do ainda Presidente da República dos jovens portugueses, anteontem na Fundação Champalimaud.  É agora, nas vésperas de deixar as puídas cadeiras de Belém, só agora se mexe e remexe para chamar os jovens emigrados a este país que ele --- o político com mais tempo  no poder --- ajudou a escaqueirar e desertificar. Quem será capaz de suportar, de consciência quieta, um sujeito a deitar lágrimas de crocodilo sobre o leite fétido que ele próprio engendrou ao apoiar uma coligação que descaradamente, como única solução,  indicou  aos jovens a porta de saída do seu país? Só uma plateia envernizada de hipocrisia aturou tamanha enormidade. Não houve ali uma voz que lhe bradasse a verdade dos factos: “Foste tu que disseste que não havia alternativa a esta governação”!
         Passando por cima das dramáticas estatísticas --- 53,1% dos jovens entre os 15-24 põem a hipótese de trabalhar no estrangeiro ---  o homem sem qualquer pejo em travestir-se de títere feirante  levanta o braço e chocalha o badalo da política. Venham os jovens para cá, interessem-se pela vida política. Atinge as raias  da insolência  acusá-los de ficarem alheios às politicas do país. É a sorte dele.
         Mas de que políticos e de quais políticas está ele a falar? Dos carreiristas das jotas, como Passos Coelho?... Dos que assaltaram o poder pela traição e pela mentira prometendo que nunca haviam de cortar pensões ou subsídios de natal? … Dos que fizeram do Estado um vulgar pátio de bullying político, caso Portas, com ameaças, escritas na via pública, de demissões “irrevogáveis” só para galgar, pelas traseiras do prédio, o lugar de vice-PM?... E aquele que deveria ser o responsável pelo prestígio da nação, “o garante pelo normal funcionamento das instituições” apára, aceita, diverte-se, com todo este charco de adolescentes garimpeiros, garotos impunes, sem escrúpulos de coisa nenhuma, perante um povo sofrido, órfão de líderes, exilado no próprio país… 
         É para esta enxovia de relacionamento cívico e político que chama os jovens emigrantes?... Sorte a dele! Se o tivesse dito mais cedo, ter-se-iam unido os jovens portugueses de hoje, como fizeram no Maio/68, como fizeram os estudantes de Coimbra ao então, caduco como o de agora, Américo Tomás.
         Tremendo baldão na face limpa dos jovens! Depois de lhes cortar as asas do sonho… depois de lhes tirar o pão da mesa obrigando-os, já adultos, diplomados e casados, a aceitar as migalhas dos pais, apertados pensionistas... depois de lhes partir as pernas e os desarmarem na vida … depois, é que os chamam à pátria! Assim fez Salazar com toda uma geração de inválidos, estropiados e muitos deles, regressados da guerra colonial, “numa caixa de pinho”. 
         Chega!  Poupe-nos!  Engula o vírus dos próprios perdigotos até ao fim do mandato! E ainda tem a iliteracia, o prosaico atrevimento  desplante de citar a delicadíssima Florbela Espanca: “Palavras são como as cantigas, leva-as o vento”. Envergonhe-se.
         E deixe-me curtir, sozinho, neste recanto do país, a minha lacónica indignação.   

17.Mai.2015

Martins Júnior

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