Hoje serei lacónico e cirúrgico.
Lacónico quanto a minha indignação, cirúrgico quanto o vírus mo exige. Até
porque este fim de semana é suficientemente perdulário para fazer gastar
toneladas de tinta e chuveiros de perdigotos aos microfones: ele é o futebol,
ele é Fátima, ele é o fado.
Na
anatomia dos factos, escolho este último: o fado --- arranhado, na voz do velho manequim-intérprete. E
indigesto na letra irritante, porque passada, requentada, hipócrita e, por isso
mesmo, insuportável.
Refiro-me
ao discurso do ainda Presidente da República dos jovens portugueses, anteontem
na Fundação Champalimaud. É agora, nas
vésperas de deixar as puídas cadeiras de Belém, só agora se mexe e remexe para
chamar os jovens emigrados a este país que ele --- o político com mais
tempo no poder --- ajudou a escaqueirar
e desertificar. Quem será capaz de suportar, de consciência quieta, um sujeito
a deitar lágrimas de crocodilo sobre o leite fétido que ele próprio engendrou
ao apoiar uma coligação que descaradamente, como única solução, indicou
aos jovens a porta de saída do seu país? Só uma plateia envernizada de
hipocrisia aturou tamanha enormidade. Não houve ali uma voz que lhe bradasse a
verdade dos factos: “Foste tu que disseste que não havia alternativa a esta
governação”!
Passando
por cima das dramáticas estatísticas --- 53,1% dos jovens entre os 15-24 põem a
hipótese de trabalhar no estrangeiro ---
o homem sem qualquer pejo em travestir-se de títere feirante levanta o braço e chocalha o badalo da
política. Venham os jovens para cá, interessem-se pela vida política. Atinge as
raias da insolência acusá-los de ficarem alheios às politicas do
país. É a sorte dele.
Mas
de que políticos e de quais políticas está ele a falar? Dos carreiristas das
jotas, como Passos Coelho?... Dos que assaltaram o poder pela traição e pela
mentira prometendo que nunca haviam de cortar pensões ou subsídios de natal? …
Dos que fizeram do Estado um vulgar pátio de bullying político, caso Portas, com ameaças, escritas na via pública,
de demissões “irrevogáveis” só para galgar, pelas traseiras do prédio, o lugar
de vice-PM?... E aquele que deveria ser o responsável pelo prestígio da nação, “o
garante pelo normal funcionamento das instituições” apára, aceita, diverte-se,
com todo este charco de adolescentes garimpeiros, garotos impunes, sem
escrúpulos de coisa nenhuma, perante um povo sofrido, órfão de líderes, exilado
no próprio país…
É
para esta enxovia de relacionamento cívico e político que chama os jovens
emigrantes?... Sorte a dele! Se o tivesse dito mais cedo, ter-se-iam unido os
jovens portugueses de hoje, como fizeram no Maio/68, como fizeram os estudantes
de Coimbra ao então, caduco como o de agora, Américo Tomás.
Tremendo
baldão na face limpa dos jovens! Depois de lhes cortar as asas do sonho… depois
de lhes tirar o pão da mesa obrigando-os, já adultos, diplomados e casados, a
aceitar as migalhas dos pais, apertados pensionistas... depois de lhes partir
as pernas e os desarmarem na vida … depois, é que os chamam à pátria! Assim fez
Salazar com toda uma geração de inválidos, estropiados e muitos deles,
regressados da guerra colonial, “numa caixa de pinho”.
Chega!
Poupe-nos! Engula o vírus dos próprios perdigotos até ao
fim do mandato! E ainda tem a iliteracia, o prosaico atrevimento desplante de citar a delicadíssima Florbela
Espanca: “Palavras são como as cantigas, leva-as o vento”. Envergonhe-se.
E
deixe-me curtir, sozinho, neste recanto do país, a minha lacónica indignação.
17.Mai.2015
Martins Júnior
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