Subi
hoje à freguesia de Santo António, o
chão-cidade do mesmo nome, o jardim das memórias suspensas nas cinzas voláteis:
o palácio universal que ali começa ou
que ali acaba, onde todos temos
apartamento marcado. Fui lá como o aluno que reaprende a lição de um mestre que
ali ficou --- o Acácio!
Devo
confessar que não é aquela a minha visita privilegiada. Já pela “insustentável
leveza” do ambiente, já pelo bafio que se nos cola aos nervos perante a
hipocrisia do séquito enfatuado, já --- e sobretudo --- pelo epitáfio que um dia nos
deixou Fernando Pessoa: “Quando quiserem
fazer a minha biografia é muito simples: a data do meu nascimento e a data da
minha morte. Tudo o resto é meu!”
É
este “meu”, é esse muito “seu”, que eu quero guardar do Acácio.
Que
não ficou lá. Nem terá ficado (quem dera me enganasse) naqueles que lhe
voltaram as costas com a última pazada de terra caída na tumba. O Acácio, de
voz sonora, sem pregas esconsas, a voz sem medo, audível e transparente,
espelho de todo o seu ser! O Acácio, senhor da sua verticalidade que não se
quebrou no bastão dos poderosos, que não se acobardou nos bastidores do
oportunismo, antes erguia a sua bandeira mesmo em tempos da servidão reinante,
fosse em plenários fechados, fosse em estádios abertos! Sou testemunha de que ele
dava a voz a quem a não tinha, o seu microfone oferecia-o, como arma justa, aos
combatentes pelas justas causas! E a
riqueza ímpar desse talento que do mais trivial relato tecia um fino bordado de literatura, tão raro na banalidade dos dias
que passam. Poderias ter morrido velho,
velhíssimo, rico, riquíssimo, gordo, gordíssimo. Bastava rastejares, como tantos da tua profissão,
mas não da tua fibra, por aqui fazem, nutrindo da sua incompetência o colchão
em que sadicamente se deitam.
Mais
meia-dúzia de luas… e quem se lembrará do Acácio, de olhos brilhantes e ideais
cantantes?! Não importa. Foi essa a glória do Acácio, atirado para o vão de
escada desta mansarda onde nós, os que ainda aqui vagueiam, passaremos
insensíveis e broncos. Volto a Pessoa: “Em quantas mansardas e não mansardas do
mundo/Não estão nesta hora génios-para-si- -mesmos sonhando?... Nunca verão a
luz do sol real nem acharão ouvidos de gente!...”
Da singela “Mensagem” do Acácio fico guardando a
luz no olhar e a sua palavra nos meus ouvidos de gente.
Acabo
por gostar desse “prédio” onde tens apartamento ao lado da tua companheira de
sempre. E gosto também porque nesse fundo sem fundo ficou o meu pai. Ninguém dos que lá passam se
lembra dele. Mas sei eu que ele permanece tão grande quanto a profundeza que o guardou. A tua também!
23.Maio.2015
Martins Júnior
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