“Fita com olhar esfíngico, fatal
O Ocidente, futuro do passado.
E o rosto com que fita é Portugal.”
Coloco no alçado frontal deste dia a saudação de Fernando Pessoa à Europa. Faço dela a evocação de Jean Monet e de todos os pioneiros da construção europeia, fruto doloroso da II guerra mundial contra a barbárie do social-nacionalismo nazi que dilacerou povos e nações. Um “Bem Haja” à Europa, neste dia que é seu. Que é nosso. Pessoa sonhou Portugal como o rosto da Europa, deixando em claro que são os homens que tornam sol ou “nevoeiro” o território que habitam. Cada um de nós é também Europa em construção. De cada um de nós depende que ela seja manhã de primavera ou noite de invernia. Preciso é que o Povo esteja na centralidade dos focos de decisão.
O tema de hoje é, em miniatura, modesto contributo para entender-se que deveriam ser os europeus a interferir e a mudar o norte aos magnatas sediados em Bruxelas. Basta que o Povo não se contente com migalhas, mas queira resistentemente o pão repartido por todos.
Conforme
o prometido, hoje é para concluir tudo quanto ficou dito sobre o papel que a
população de Machico desempenhou na construção de Abril, enfrentando as hostes
adversas na economia, na política, na cultura. Neste último item, situa-se a
influência da Igreja Católica. Os factos mostram à evidência que foi essa
instituição entre nós a maior força de bloqueio à prossecução dos ideais
democráticos então em marcha.
Distingo
dois extractos da dita instituição: as bases e as cúpulas. Por bases entendo os
crentes e também alguns sacerdotes conscientes do mandato evangélico. As
cúpulas já ficaram identificadas sumariamente no escrito anterior.
Quando
“o pastor cheira às ovelhas que apascenta” (Francisco Papa) sente-lhe as
carências, as extorsões de que são vítimas e abre-lhes os ferrolhos da prisão.
Aconteceu assim em Machico. O Padre Manuel Severino de Andrade, pároco da
extensa sede do concelho durante mais de 50 anos, apercebeu-se da chegada dos ventos
libertadores, com palavras poucas e gestos muitos e sábios. Conhecedor da
avalanche de reclamações que as populações nos traziam contra os abusos
perpetrados pelos detentores do poder fascista,
( presidentes, senhorios e congéneres) acedeu ao nosso pedido ---
precisávamos de um espaço físico para atender os queixosos --- e franqueou-nos
as instalações da JAC (Juventude Agrária Católica) em pleno centro de Machico. Está ainda por
escrever a acção decisiva do CIP (Centro
de Informação Popular) no apoio às justas reivindicações, recalcadas até então
no subconsciente de pais, filhos e netos. Aguardamos ansiosamente a publicação
da tese de curso que alguém já está a preparar. Era um rodopio constante
naquela casa, onde um grupo de voluntários canalizava para quem de direito o
objecto das denúncias e agravos dos usurpadores salazaristas locais. Não havia
mãos a medir. E a alegria com que os jovens se desempenhavam das tarefas
coadjuvantes! E a simpatia com que os via a população!
Já
se imagina que tamanha onda chegou às cúpulas, neste caso, o bispo e, daí, ao
já referido governador civil e militar,
que numa noite de triste memória mandou
um pelotão inteiro e, à força das armas, rebentar com portas e janelas e
saquear todo o recheio que lá havia.
Hoje quem por ali passa vê, contíguo ao
Solar do Ribeirinho, o prédio em ruínas, símbolo da degradação e do desmazelo
de quem tem dirigido a diocese, desde essa altura.
O
prelado diocesano incarnando a epiderme religiosa de uma visceral militância
política anti-25 de Abril assestou a sua
ira contra o povo mais sacrificado e, ao
mesmo tempo, mais lutador pela sua emancipação cívica, cultural e social, a
Ribeira Seca, onde por missão tinha sido eu colocado após dois anos de
capelania militar em Moçambique. Para retirar-me
a jurisdição paroquial acusou-me textualmente: ”Tu estás inscrito no Partido
Comunista Português”. À minha estupefacção face a uma mentira tão gratuita e
até ridícula,, levanta a voz na sala de audiências e avança, decidido: “Até sei o teu número!” Aí,
convenci-me que a “pide” da mitra sabia mais que o comité central… Sem
comentários.
A
pertinácia do bispo provocou sérios protestos da população no portão do Paço, tendo as Forças Armadas do brigadeiro
Azeredo dado os primeiros tiros na Madeira pós-25 de Abril. Mais tarde, o mesmo
bispo F. Santana (sendo lisboeta tornou-se logo regionalista, acérrimo
bandeirante da autonomia pró-independência da Madeira) armou na igreja matriz
de Machico o mais sacrílego tribunal popular de que há memória, instigando contra
mim todo o templo que regurgitava de gente para a cerimónia dos Crismas. Eram
três as exigências do bispo nessa hora: que eu não concelebrasse, que eu não
fosse o padrinho de um crismando e, por fim, que eu me retirasse da igreja
imediatamente, condição “sine qua non” para dar início à cerimónia. Mas a
população de Machico não lhe obedeceu. E
não houve crismas. Três horas depois deste “combate” (que tem pormenores
pavorosos, os quais ficarão para publicação mais amplas), o Prelado saíu da
igreja para o Funchal, escoltado pela Polícia de choque. No dia seguinte
aparece na imprensa local o decreto da minha suspensão “a divinis”.
O
antístite que lhe sucedeu, Teodoro Faria, madeirense de nascença e por tal
fidelíssimo ao regional-catolicismo, levou mais alto a fasquia e, em 27 de Fevereiro de 1985, aliou-se ao governo que
ordenou ao comandante da PSP, Homem
Costa, a ocupação do templo da Ribeira Seca, durante 18 dias e 18 noites..
Maldição sobre maldição: foi este mesmo prelado que ao seu secretário
particular, o famigerado padre Frederico, pederasta condenado a 17 anos de
cadeia, comparou-o, em nota pastoral no
Jornal da Madeira, “a Jesus Cristo mártir, crucificado na cruz”. O governo não
fez por menos.
Por
último, o actual pontífice diocesano, vindo do Algarve, atingiu o requinte de
não deixar que a Imagem Peregrina de Fátima entrasse na igreja, nem sequer no
adro, da Ribeira Seca, em maio de 2010, já vão cinco anos. Além disto,
reentregou carta branca ao governo
regional para sentar-me no banco dos réus, em processo judicial que só ao foro
religioso dizia respeito, ou seja, a suspensão de padre. Mas, de novo, perdeu a
aliança regional-catolicista.
Finalmente,
é de pasmar o comportamento dos três últimos bispos contra uma comunidade cristã, pois que há 41
anos todos se têm recusado a levar o sacramento do crisma à igreja da Ribeira
Seca.
Mas
estamos vivos e felizes. Tal como o nacional-socialismo de Hitler foi derrotado
em 1945, também o foi o provinciano regional-catolicismo, não pelas armas de
guerra mas pela força centrípeta das
mentalidades. Porque, em síntese, o Povo colocou-se na centralidade dos
acontecimentos.
Seria
importante que, da mesma feita e em grande angular, os povos europeus e seus
titulares interviessem assumidamente nas
decisões da macrocefalia auteritária de
Bruxelas.
9.Maio.2015
Martins
Júnior
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