É um fenómeno apaixonante
e, pelo tanto, avassalador aquele que se costuma designar por psicologia das
multidões. Porque a multidão, já o sabemos, não é apenas a soma das partes
envolventes. É outra entidade emanescente,
outra alma e outro tom que sobrepujam a
simples adição das parcelas. Por isso
que no vulcão multitudinal, o particular dilui-se no universal, amplia-se,
transfigura-se e, não raras vezes, contracena com a própria identidade pessoal.
Ao ponto de serem outras as nossas reacções, fruto imprevisto da espiral emotiva que nos comanda. Digam os
estádios de futebol, os megaconcertos, as manifestações colectivas e, dentro
destas, as de carácter religioso.
No entanto, a psicologia do “ego”, no seu sentido mais
nobre, não deverá nunca deixar-se alienar
pelo instinto gregário de circunstância. É verdade que, como nos ensina Auguste
Comte, difíceis são as análises quando “o observador coincide com o observado”.
Mas é imperativo distinguir a génese e o percurso das motivações fasciculadas
de cada árvore da floresta-multidão, sob pena de perdermos o pé no vasto oceano
da peregrina paisagem.
De certeza que já
intuístes, desta introdução, que o que me move neste dia 13 de Maio, é precisamente uma tentativa de geometria analítica dessa gigantesca estrutura,
chamada Peregrinação, que neste ano somou 200.000 almas no chão da Cova da
Iria.
Vou cingir-me aos factos
relatados na comunicação social, na expectativa de que quem me lê os confronte
com o seu próprio pensamento:
1.
A maior parte dos peregrinos esclarece
que, em transporte-auto ou a pé, o seu móbil assenta em dois pólos: a fé e a
esperança. Quase sempre por um bem adquirido ou um bem iminente ou, em termos contabilísticos, em
lucros vencidos e vincendos.
2.
F. diz que vem a Fátima porque assim prometeu a Nossa Senhora “se ela o
trouxesse vivo e são para a metrópole,” sua terra natal. E eu fico a pensar
naqueles onze amigos meus que uma mina anti-carro ceifou diante dos meus
olhos, esses e os milhares que lá ficaram
sem ter uma mãe que lhes valesse…
3.
F., professor de Educação Física, mais desinibido nos seus 29 anos, confessa abertamente que fez a viagem a
Fátima sozinho em passo de corrida, com
um carro de apoio: ”Foi um desafio, não uma promessa”
4.
F., “dono de grupo empresarial, ,com diamantes em Basileia, indiciado de
branqueamento de capitais e associação criminosa, lesou o Estado em dezenas de
milhões. Foi detido pela PJ na passada
quarta-feira enquanto fazia peregrinação a pé até Fátima”
5.
Cinco peregrinos, entre eles dois jovens, foram mortos por carro
desgovernado quando seguiam a pé em peregrinação conjunta. Poderia valer-lhes a
Senhora de Fátima?
6.
Nos confins do mundo, “El polideportivo que salvó una aldea” (El Mundo, 13/05/2015) . Foi em Bhimphedi, Nepal, no passado 25 de Abril, quando os 5.000 habitantes do
lugar foram à inauguração de um campo de futebol e de basquetebol e, a 200
metros, viram o tenebroso sismo desabar as suas casas. “Se a inauguração
tivesse sido noutro dia, muitos teriam morrido”. No segundo sismo, foram poupados de novo, porque
assentaram as tendas no referido polidesportivo.
7.
Todos estamos lembrados da tragédia de duas freiras que se dirigiam a
Fátima de automóvel, quando dois enormes pedregulhos que se soltaram de um
camião que ia na frente, abalroaram o automóvel causando morte instantânea às
duas ocupantes.
Poderia continuar este cortejo de
acontecimentos fortuitos, trazendo à colação
casos paralelos de outros continentes, como o da Senhora da
Aparecida (a sua imagem de rosto negro ficou exposta este ano na Cova da Iria) e em
cujo santuário vi, em 1972, no
salão das promessas, uma cruz enorme e
tão arrepiante que não resisti à tentação de ler o que tinha lá escrito:
“Reginaldo…carregou esta cruz às costas, de promessa até à Aparecida do Norte se o Brasil ganhasse a copa
do mundo”.
Hoje,
detenho-me por aqui. Sem comentários, que poderão ficar para outra
oportunidade. Apenas, fico amarrado comigo mesmo a interpelar-me sobre a fé, tal
como é servida aos crentes. Os episódios verídicos supra-enunciados trazem-me à memória aquela famosa apóstrofe
de Luís Vaz de Camões, “Lusíadas”, Canto V, estância 22:
“Vejam agora os sábios na escritura
Que segredos são estes da Natura”-
Que longo caminho a
percorrer na descoberta da Verdade, mais
longo e doloroso que todas as caminhadas a todos os santuários de Fátima!
13.Maio.2015
Martins Júnior
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