Hoje,
renuncio ao prazer de escrever, de burilar as palavras, enquanto serviço ao “Prazer
de Ler”, na bela expressão de Roland Barthes. Pelo contrário, hoje não escolho palavras nem
convido ao descanso. Nem serão minhas as palavras. Vou bosquejá-las nas leituras que por estes dias
nos caem em cima, através dos jornais e respectivos comentadores. No estrangeiro e em Portugal.
No último texto tentei aguçar a atenção
para o clamoroso escândalo dos Panama
Papers. Porque o caso é connosco
também. Esse veemente protesto alastra por todo o mundo. Os termos mais
aplicados em artigos de opinião vão desde “escândalo”, “náusea” (Jêrome Fenoglio)), “túnel de esgoto, por
onde passa o dinheiro negro daqueles negócios que geram lucros fabulosos para
alguns e dívidas públicas mastodônticas” (Eduardo Dâmaso) “veículo para o crime
organizado” (Lobo Xavier), “polvo
gigante” “terrorismo financeiro” (F.Gonçalves) “lógica da
selva e pornografia fiscal” (Pedro Ivo
Carvalho).
Acerca
dos agentes e beneficiários do gabinete da ‘Mossack e Fonseca’ os analistas não poupam qualificativos, tais
como “os corsários financeiros” (Raul del Pozo), “elites financeiras
políticas e criminosas –qualidades que muitas vezes se cruzam no mesmo
indivíduo – ou seja, que países, como o Panamá ou as Ilhas Virgens, são
santuários para grandes fortunas” (Rafael
Barbosa). O Panamá é considerado como um “passageiro clandestino num mundo
que se quer normal” (Arnaud
Leparmentier): clandestino sinónimo de contrabandista, eventual bombista,
enfim, um malfeitor da humanidade. Os grandes tablóides, desde o Suddeutsche Zeitung até ao Guardian
referem-se ao caso do Banco HSBC
que ajudou a salvar os milhões de Rami Makhlouf, um dos gestores da rede
corrupta denunciada nos papéis do Panamá e primo do ditador Bashar al-Assad.
São muitos e imperiosos os avisos de
vários países representados na OCDE, os quais são unânimes em afirmar que um “mundo
globalizado sem ética e sem transparência tem em si o gérmen da sua própria
dissolução”.
Poderia continuar com muitas outras e
eloquentes imprecações contra a “chantagem do Panamá” (Carlos Segovia). Registo o apelo do supra-citado Raul del
Pozo: “Oxalá que o esforço dos mais de 300 jornalistas, agregados no
Consórcio Internacional de Investigação, sirva de “despertador da ira dos contribuintes”. E termino, citando por todos, o editor
executivo adjunto do Jornal de Notícias, na
sua edição de ontem:
“O problema é nosso. Aquele dinheiro
que não pagou impostos poderia ter sido gasto nos nossos hospitais, nas nossas
escolas ou nos nossos tribunais. Aquele dinheiro que não pagou impostos é o
mesmo que, sob a forma de branqueamento e ocultação de operações financeiras e
demais expedientes, levou à ruína do
BES, do BPP e do BPN. Pagos por quem nós sabemos”, (nós, os contribuintes)… “A
sem-vergonhice dos clientes da ‘Mossack e Fonseca´ permitiu que o capital e os bens de
1% dos mais ricos (cuja fortuna supera a riqueza mundial) possam circular
livremente sob o anonimato fiscal que não aplica a mesma benesse aos restantes
99%”.
O problema é nosso. E a solução também.
Foi a voz persistente do povo islandês que provocou a queda de um dos clandestinos
dos offshores, o Primeiro Ministro do
seu país.
“Vimos, ouvimos e lemos. Não podemos
ignorar”.
07.Abr.16
Martins Júnior
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