É
verdade que não trago nada de original neste nosso dia ímpar. Mas sacrifico a
originalidade à eloquência do gesto, este sim, tremendamente ímpar e provocador
de Francisco Papa. A terra está cheia, hoje, da grande nova ocorrida na Grécia.
A minúscula ilha perdida no largo oceano
tomou conta do mundo inteiro, só porque
um Homem – o Homem Novo! – ousou abraçá-la como quem abraça um filho moribundo.
A
gravura, a mesma hoje mil vezes repetida, revela que a arte e a ciência também nascem
na ponta dos dedos: o artista que a concebeu sintetizou soberanamente o mais belo poema e a
mais altissonante partitura que sobre o caso poderia alguém compor. Tão emotiva
quanto a imagem é a sua legenda: “A Próxima Ceia”! A próxima e não a última.
Talvez a primeira, entre muitas que estão por acontecer, não apenas àqueles
doze refugiados (o número é o mesmo que
o dos Doze a quem Jesus lavou os pés na última ceia) mas a milhares e milhões de
vítimas foragidas que Francisco simbolicamente trouxe para sua casa, Roma. Imagino
que maior que o conforto de os ter trazido foi a mágoa, talvez o desespero, de
não poder trazê-los a todas na sua nave, esta sim, verdadeiramente peregrina.
Que
portentosa “arma” manejou o Mensageiro da Paz! Já o tinha feito noutra ilha, a
de Lampedusa, e agora, no mais aceso da refrega dos líderes europeus em erguer
muralhas e fechar fronteiras, precisamente aí é que aparece o Arcanjo
Libertador brandindo a sua voz de fio de água corrente contra os “faraós” ocidentais,
sem um pingo de alma, que fecham os olhos à miséria humana e arregalam-nos para
os offshores onde vão esconder as
barras de ouro amassadas com o sangue, o suor e as lágrimas dos inocentes.
É
neste gesto, oportunamente concebido, que vejo em Francisco Papa um genuíno
Provocador da “indiferença globalizada” (é sua a expressão), dando a cara à
luta, corajosamente, mesmo sabendo que se expõe à fatalidade de o liquidarem. Comparável
ao seu protótipo, Jesus Cristo! Logo hoje – outra inteligente coincidência – o Domingo
do Bom Pastor, aquele que enfrenta o
lobo devorador e “dá a
vida pelas suas ovelhas. Porque é pastor e não é mercenário. Este, o mercenário,
vê o lobo aproximar-se e foge”, entregando as ovelhas à voragem dos lobos.
O
maior fez-se o mais pequeno. “Só me dá para chorar”, desabafou. É certo que se
o Papa de Roma estivesse à cabeça de qualquer país de acolhimento teria de
ponderar, até à exaustação, os orçamentos e os meios logísticos para tentar
resolver uma tão trágica calamidade. Mas, ao mesmo tempo, tenho para mim que este Homem fez hoje pela
causa dos refugiados de guerra muito mais que os solenes tratados oficiais de
Bruxelas, de Paris, de Berlim.
E
aqui está o estranho paradoxo com que titulei este momento de reflexão: Não me
falem mais do Papa Francisco. Porquê?... Porque não se pode ficar insensível
perante a sua palavra. Apetece sair, ir ao seu encontro, gritar, enfrentar os
lobos sedentos do sangue do rebanho. Ele mexe connosco. Ele acusa-nos. Ele
põe-nos irresistivelmente em marcha.
Mas,
na mesma hora, chega-nos aos olhos (é o que sinto) a inércia comodista da hierarquia
católica, a começar pelos bispos, os seus silêncios cúmplices com os poderosos
do mundo, a sua mitra senhorial que não se “suja” com os problemas alheios, os
tais entes sacrais que têm “horror ao cheiro das ovelhas” , como já o disse o
Papa Francisco. Se é irresistível a voz mobilizadora do Papa, na mesma medida é insuportável a “cobardia” de bispos e certos
eclesiásticos. Aliás, permitam-me este desabafo, com o qual estareis de acordo
ou não: incomodou-me ver aqueles Monsenhores de sotainas cintadas de vermelho e cordão de ouro
ao pescoço diante dos miseráveis sofredores da ilha… Não quadravam bem aquelas
fardas de gala em contraste com a simplicidade do Papa e o dramatismo do
cenário envolvente. É uma opinião, fruto da minha sensibilidade.
O
paradoxo inicial – precisamente por sê-lo – toma outra dimensão: É preciso que
se oiça aquela voz. A História do homem sobre a terra precisa urgentemente destes
montes altos, que aparecem de longe a longe, para não perdemos a bússola do
caminheiro. Essa voz é, nos nossos tempos, o GPS da Humanidade. Que nunca
esmoreça. Que os seus braços, como os de Moisés no Monte Sinai, nunca
desfaleçam. Ao menos, para lenitivo daqueles que, de todos os meios e profissões,
acalentaram o sonho de tornar esta terra mais habitável para os seus inquilinos,
os presentes e os futuros.
Fazendo
eco do bíblico jovem Samuel, no “Livro dos Reis”, apetece repetir: “Fala,
Senhor, estamos em escuta”!
17. Abr.16
Martins Júnior
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