Dos
três dias ímpares que anunciam “Abril em Portugal” – esse o único Dia Ímpar
para a nossa geração – extrairei a tese, a antítese e a síntese, inerentes ao
processo histórico-científico de todos os Abris, de todas as revoluções que
fizeram guinar a agulha magnética dos destinos de cada país: do nosso e de
todos os outros. Dedicarei, pois, os dias 21, 23 e 25 a esta análise, tentando
demonstrar a inevitabilidade das revoluções perante as mesmas causas no terreno
e, de permeio, podermos enfrentar com serenidade e firmeza as tempestades cíclicas
da História. Sei que é longa a caminhada, pelo que procurarei torná-la mais curta
e acessível.
As
transformações de um país, em todos os tempos, seguem o ritmo dos grandes rios:
nascem nas águas jacentes da terra e desaguam no mar azul de um futuro maior,
Sucintamente, abrirei as páginas da nossa História, onde podemos monitorizar o Antes –
chamemos o “caldo” circunstancial - que estremeceu as estruturas de
Portugal, em 1383-1385, mais tarde em 1640 até alcançarmos 1910. A esta luz que
vem de longe veremos mais de perto a lógica do “25 de Abril de 1974”.
É
um dado insofismável que o movimento pendular das civilizações oscila entre
três apoios fundamentais: a economia, a política e a cultura, São (volto a
repetir) o “caldo” perfeito que sustenta ou abala uma sociedade e o seu povo.
Quanto mais aguda for a sua simbiose, mais incisiva será a infecção do
organismo social, originando a ablação do vírus perturbador.
Na
Revolução de 1383-1385, a vacilante condução política do reinado de D. Fernando – “Um fraco rei faz fraca a gente
forte”, bem o disse Camões – debilitou irremediavelmente todos os sectores
económicos da nação, manietada pelos interesses da nobreza castelhana,
personificada no Conde de Andeiro. Para ilustrar as míseras condições de
pobreza entre a “arraia miúda”, diz o cronista coevo, Fernão Lopes, e
testemunha ocular dos acontecimentos: “Na
cidade não havia trigo para vender e se o havia, era mui pouco e tão caro que
as pobres gentes nem podiam chegar a ele … começaram de comer do pão de baga de
azeitona e dos queijos de malvas e raízes de ervas … Desfalecia o leite àquelas
que tinham crianças a seus peitos por míngua de mantimentos e, vendo ‘lazerar’
seus filhos a que acorrer não podiam, choravam amiúde a morte sobre eles antes
que os a morte privasse da vida”…
Acresce
a influência das instituições culturais, então consignadas à Igreja. Era o
tempo da privilegiada aliança Igreja-Estado. E o Bispo, que tomou partido pelos
de Castela, foi publicamente assassinado pelo povo de Lisboa.
A
mesma conjuntura repete-se, quase em decalque da anterior, aquando da Restauração da Independência após a crise de 1580,
culminando com a libertação do domínio dos “Filipes” em 1 de Dezembro de 1640. Portugal
era então uma colónia de Madrid, de onde o Rei dispunha a seu bel-talante, com
total indiferença pelo povo português. O testamento de D. João IV atesta-o, à
evidência, quando este justifica a aceitação do trono “não por qualquer respeito à minha pessoa, senão por livrar os reinos
que me pertencem das misérias que lhe via padecer em estranha sujeição”… Ao
mesmo elenco de entidades de domínio público, na área da educação religiosa,
pertence o Arcebispo de Braga – sopravam já os ventos da Inquisição – o qual, por
ter-se aliado aos partidários da coroa filipina, foi preso nas masmorras da
Torre de Belém, onde veio a falecer.
São
sempre os três vectores decisivos para a movimentação de um povo: o político, o
económico e o cultural.
Sem
querer alongar-me, convido os meus amigos a compulsar o pesado processo da
evolução da Monarquia para a República. Era a “idade de ouro” da nova era
industrial, com todos os efeitos colaterais que lhe estão associados. As
falências no sistema bancário levaram o governo português a contrair dívida
externa, cujo pagamento foi, mais tarde, compulsivamente exigido pelos países credores.
Os problemas com a Coroa Britânica e as possessões africanas (recorde-se o “Ultimato
Inglês”), o contraste do luxo da Corte com a miséria da população rural, a que
se juntavam os conflitos dos operários fabris, tudo isso originou o tal “caldo revolucionário”
que explodiu no assassinato do Rei D. Carlos, seguindo-se-lhe a implantação do
regime republicano.
Assinale-se,
na sua fonte, a poderosa influência da vertente cultural no percurso libertador
contra o “ancien régme”, sobretudo
com o famoso “Grupo dos Cinco” (Antero, Eça, Junqueiro, Ramalho e Oliveira
Martins) precursores da Ideia Nova, de
teor vincadamente anticlerical, recriminando à Igreja Institucional o atraso
das populações. (Vide Causas da
Decadência dos Povos Peninsulares, Conferências do Casino, de Antero de
Quintal).
Sendo longo, acabo por ser escasso. Fica
apenas este feixe de considerações sobre as raízes comuns a todas as revoluções
para tentarmos ler a radiografia dos saltos e sobressaltos da História. As
mesmas causas produzem os mesmos efeitos. Inelutavelmente. A Libertação na
alvorada do “25 de Abril” também. Fique ainda esta proposta: Se não queremos
revoluções traumáticas, façamos em todos os dias uma conquista de Abril
21.Abr.16
Martins Júnior
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