Entre
as duas iluminadas margens da corrente
que atravessa a ponte deste ano bissexto
– o “25 de Abril” e o “1º de Maio” – outro não será o ritmo das águas senão o
de nos deixarmos envolver na canção exaltante da vida reencontrada na alma do
Povo : “O Povo que trabalha e faz o mundo novo”.
Volto,
pois, à narrativa que Machico viveu na memória da Revolução dos Cravos,
retomando, em termos mais concretos, o filão inspirador que, no próprio dia 25,
aqui desenhei numa linguagem metafórica, talvez mesmo elíptica, tal o sonho
redivivo que percorreu as terras de Tristão Vaz. Assim, prescindo das
cerimónias protocolares – içar da bandeira, hinos nacional, regional e local,
bem como outras peças adicionais superficialmente metidas no contexto da
efeméride. Em Abril, fala o Povo Libertado, aquele mesmo que correu alvoroçado
para prender ao solo as raízes do tronco em flor que os militares plantaram.
Sublime,
pela perfeita conexão entre a coreografia e a música instrumental e coral, o
espectáculo dos Serviços de Educação Artística e Multimédia do Funchal (“O que
faz falta”) realizado no Forum Machico! As muitas dezenas de jovens artistas,
que brilhantemente desfilaram em palco, jamais esquecerão, como eu, o génio criador
e a militância de Zeca Afonso, na luta visionária por uma Nova Ordem Social.
Machico agradece e pede mais: que voltem de novo.
Na
mesma linha, mas noutro registo, o concerto de música orfeónica do Grupo Coral
de Machico, na sede da respectiva Junta de Freguesia, agregou jovens, adultos e
idosos, transportando-nos para o alto nas
asas de Abril, em composições evocativas, tais
como: “Vejam bem que não há só gaivotas em terra”… “E depois do Adeus” … “Acordai”
e outras de idêntica pauta. Vozes da terra irmanadas com os cravos vermelhos!
Mas
o climax da vivência endémica de Abril aconteceu ao ar livre, em plena “Praça
da Liberdade”, assim se pode cognominar aquele recinto, onde, em 1976 cantou
Zeca Afonso a “Grândola, Vila Morena”. As palavras emotivas dos que viveram a gloriosa
data associaram-se ao entusiasmo de outros que, nascidos embora no pós-Abril,
beberam da mesma fonte a água viva da Revolução e, na esteira dos mais velhos,
aprenderam “o que custou a Liberdade”. Indescritível o espectáculo
intergeracional com jovens e crianças, ostentando as raparigas nas suas saias
brancas o cravo vermelho bordado por
mães e avós, as quais, há 42 anos, fizeram ecoar naquela praça comunitária as mesmas danças e cantares, música e letra
nascidas e crescidas em Machico! Ali viu-se, sentiu-se o “25 de Abril” na mão, no rosto e
na voz dos seus genuínos destinatários, o Povo Trabalhador. Foi a única expressão
pública, aberta e sem muros que na Madeira se realizou. Em plena Liberdade, sem
os medos e as ameaças dos avejões que povoaram e teimam instaurar o “24 de
Abril”.
Mas
– e esta é a nota final, destoante da beleza dos factos – a “nossa” comunicação
social preferiu dormir no travesseiro da inércia ou nas almofadas dos palácios
fechados, alguns deles, repletos de vazios discursos das maiorias oficiais. Não
lhe interessa a pureza original da Revolução, mas tão-só os vernizes enfatuados
que lhe servem de alicerces bolseiros das respectivas causas corporativas. É essa comunicação, dita social, formatada para fazer do "25 de Abril" mais um fóssil anémico, como aconteceu com o "10 de Junho" e o "1º de Dezembro".
Mas
nem por isso o “25 de Abril” perdeu brilho. Bem ao contrário, ganhou
autenticidade, pujança e nova Páscoa, como nos tempos de outrora que a imagem
acima reproduz. Seja-me permitido terminar com a mensagem que ali mesmo
entreguei: “Esta é uma data proclamatória, pelo triunfo da Liberdade, mas é
sobretudo uma data convocatória para todos nós, decididamente os jovens.
Aqueles que esquecem o “25 de Abril” ainda um dia vão chorar por ele. É preciso
manter viva e saudável a Revolução dos Cravos. É o que faz falta”!
29.Abr.16
Martins Júnior
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