Andamos
por aí a navegar – terra, mar e ar. E quem não se sentiu, alguma vez, metido
nas encruzilhadas das ondas, no redemoinho dos ventos, no descampado de múltiplas
rotas entrecortadas?... Aí é que se põe à prova o discernimento do navegante, a
sua capacidade de análise perante a confusão circundante.
É
esta a hora e é este o tempo em que vivemos. Acontecimentos fortuitos
agarram-nos nessa onda de embates e contradições tais que nos deixam encostados
ao “Beco do Fala-Só”. Em todos os continentes e em todas as estruturas, quer as
de índole social, confessional ou política, de entre as quais ressalta a
inevitável ‘tragicomédia’ do presidente eleito dos EUA. E foi precisamente na
hora em que Trump tomava posse, sexta-feira pp., que em Roma dois jornalistas
do El País, António Caño e Pablo
Ordaz, entrevistavam em Roma o Papa Francisco, cujo comentário não podia ser mais certeiro e abrangente: “O
perigo é que em tempos de crise
busquemos um salvador”.
Certeiro
e abrangente! Basta percorrer, mesmo de
levante, o curso da história para nos apercebermos desta inelutável
fatalidade. Todos procuram um líder a quem chamam carismático, seja um guerreiro armado, seja um
bezerro de ouro, um arcanjo extraterrestre - seja lá o que for – e entronizam,
como o salvador predestinado, no altar da pátria. Nalguns casos, com pleno sucesso
colectivo, noutros com o amargo embuste, devastador de gerações. Pensemos num rancoroso
Dracon da Antiga Grécia, reconstituamos um execrável Nero de Roma, rebobinemos
o filme de uma ‘Santa’ Inquisição, de um Robespierre da Revolução Francesa, um Stalin da URSS, um Hitler, um Franco de
Espanha, um providencial ‘Salazar´. Todos ídolos imaculados, todos salvadores da
pátria. E eu acrescento: todos
Cavaleiros da Crise. Porque, com a aparente generosidade de destruí-la, a crise, todos a montam e expropriam até ao tutano a sensibilidade mórbida de um povo sem norte.
É então que da massa informe do povo
nascem as serpentes devoradoras, os ditadores sem alma que, em vez de paz, pão e liberdade, atulham de vermes e munições o estômago de quem lhes entregou o
poder..
O nosso arguto Bergoglio, perito na diplomacia
que também exercera como núncio-embaixador do Vaticano, apazigua os ânimos com
um indeciso “Vamos esperar para ver”.
Mas essa condescendente expectativa não anula o ímpeto das multidões que em todo
o mundo protestam, não por aquilo que eventualmente Trump vai fazer, mas
frontalmente por aquilo que ousou dizer
contra a liberdade, contra a solidariedade entre as nações, contra a
dignidade da Mulher, enfim, contra a própria humanidade.
Aqui chego ao essencial da presente reflexão.
Por mais milagreiros e sedutores que sejam os “salvadores da pátria” é preciso,
é urgente, que os olhos do povo não adormeçam nem se hipnotizem. É seu dever e
é seu direito inalienável seguir atentamente os passos de quem o conduz, permanecer
vigilante a cada salto e a cada
sobressalto, por mais exuberantes e auspiciosos que nos pareçam. Os salvadores
da pátria não podem andar à solta. Porque a ambição e o poder não têm freio.
Já
senti e exprimi, por este meio, o ideal de uma sociedade normal, onde não sejam
precisos nem mártires nem heróis. Até na Igreja. Jean-François
Bouthors, antes do conclave de 2013, escreveu: “O próximo Papa não deverá ser
necessariamente um homem providencial, porque a Igreja não precisa de ídolos”. E acrescenta: “Enquanto perdurar a ilusão de
esperarmos do Papa um milagre salvador, a Igreja será incapaz de reencontrar o
dinamismo da sua missão”.
Em todos os tempos e em todas as instituições, a normalidade
social, tal como a soberania, reside no Povo. Quando esclarecido, vigilante e
dinâmico, é ele o Salvador da Pátria.
23.Jan.17
Martins
Júnior
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