segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

OS CAVALEIROS DA CRISE – uma abordagem de Jorge Bergoglio, Papa



Andamos por aí a navegar – terra, mar e ar. E quem não se sentiu, alguma vez, metido nas encruzilhadas das ondas, no redemoinho dos ventos, no descampado de múltiplas rotas entrecortadas?... Aí é que se põe à prova o discernimento do navegante, a sua capacidade de análise perante a confusão circundante.
É esta a hora e é este o tempo em que vivemos. Acontecimentos fortuitos agarram-nos nessa onda de embates e contradições tais que nos deixam encostados ao “Beco do Fala-Só”. Em todos os continentes e em todas as estruturas, quer as de índole social, confessional ou política, de entre as quais ressalta a inevitável ‘tragicomédia’ do presidente eleito dos EUA. E foi precisamente na hora em que Trump tomava posse, sexta-feira pp., que em Roma dois jornalistas do El País, António Caño e Pablo Ordaz, entrevistavam em Roma o Papa Francisco, cujo comentário  não podia ser mais certeiro e abrangente: “O  perigo é que em tempos de crise busquemos um salvador”.
Certeiro e abrangente!  Basta percorrer, mesmo de levante, o curso da história para nos apercebermos desta  inelutável  fatalidade. Todos procuram um líder  a quem chamam  carismático, seja um guerreiro armado, seja um bezerro de ouro, um arcanjo extraterrestre - seja lá o que for – e entronizam, como o salvador predestinado,   no altar da pátria. Nalguns casos, com pleno sucesso colectivo, noutros com o amargo embuste, devastador de gerações. Pensemos num rancoroso Dracon da Antiga Grécia, reconstituamos um execrável Nero de Roma, rebobinemos o filme de uma ‘Santa’ Inquisição, de um Robespierre da Revolução Francesa,  um Stalin da URSS, um Hitler, um Franco de Espanha, um providencial ‘Salazar´.  Todos ídolos imaculados, todos salvadores da pátria. E eu  acrescento: todos Cavaleiros da Crise. Porque, com  a  aparente generosidade de destruí-la, a crise,  todos a montam e  expropriam até ao tutano  a sensibilidade mórbida de um povo sem norte. É então que  da massa informe do povo nascem as serpentes devoradoras, os ditadores sem alma que, em vez de paz,  pão e liberdade, atulham de vermes e  munições o estômago de quem lhes entregou o poder..
 O nosso arguto Bergoglio, perito na diplomacia que também exercera como núncio-embaixador do Vaticano, apazigua os ânimos com um  indeciso “Vamos esperar para ver”. Mas essa condescendente expectativa não anula o ímpeto das multidões que em todo o mundo protestam, não por aquilo que eventualmente Trump vai fazer, mas frontalmente por aquilo  que ousou dizer contra a  liberdade, contra  a solidariedade entre as nações, contra a dignidade da Mulher, enfim, contra a própria humanidade.
   Aqui chego ao essencial da presente reflexão. Por mais milagreiros e sedutores que sejam os “salvadores da pátria” é preciso, é urgente, que os olhos do povo não adormeçam nem se hipnotizem. É seu dever e é seu direito inalienável seguir atentamente os passos de quem o conduz, permanecer vigilante a  cada salto e a cada sobressalto, por mais exuberantes e auspiciosos que nos pareçam. Os salvadores da pátria não podem andar à solta. Porque a ambição e o poder não têm freio.
Já senti e exprimi, por este meio, o ideal de uma sociedade normal, onde não sejam precisos nem mártires nem heróis. Até na Igreja. Jean-François Bouthors, antes do conclave de 2013, escreveu: “O próximo Papa não deverá ser necessariamente um homem providencial, porque a Igreja não precisa de ídolos”.  E acrescenta:  “Enquanto perdurar a ilusão  de esperarmos do Papa um milagre salvador, a Igreja será incapaz de reencontrar o dinamismo da sua missão”.
Em todos os tempos e em todas as instituições, a normalidade social, tal como a soberania, reside no Povo. Quando esclarecido, vigilante e dinâmico, é ele o Salvador da Pátria.

         23.Jan.17

         Martins Júnior

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