Este
25 de Janeiro sai-me do computador como um poliedro de muitos rostos. Tem tanto
de sério e diletante, como de sarcástico e chocarreiro. Consonante e
contraditório, ao mesmo tempo.
Começo
pelo tom “grave e sério”. Está na ordem do dia falar de normativos
constitucionais, inconstitucionalidades, tribunais constitucionais, numa
palavra , invocar a Lei Fundamental do
Estado-Nação, a Constituição. Sempre as houve, desde as constituições
monárquicas às liberais, desde as
totalitaristas às republicanas, cada qual com o seu figurino próprio ao serviço
da ideologia ou dos interesses dominantes. De todas, porém, a mais original e
anacrónica será aquela que deu à luz o
título deste escrito: A Constituição Dogmática. Quem me lê neste momento
conhece, de certeza, a máscara e o ADN do (des)qualificativo Dogmático. O dogma não se discute, não
admite perguntas nem respostas, não tem apelo nem agravo. É o “status”:
inflexível, inamovível, sem olhos, sem ouvidos, sem alma e sem coração. É a
esfinge no deserto do pensamento, além da qual ninguém pode passar, sob pena de
condenação à pena capital. São seus parentes menores as constituições dos
regimes fascistas, as constituições estalinistas, enfim, as ditaduras. Todas
fabricadas pelos humanos mortais.
Mas
as Constituições Dogmáticas são “gente fina”. São do outro mundo. Procedem dos
oráculos divinos, de lá onde mora o Eterno e Supremo Juiz da História. E o seu fiel
depositário é um só, mesmo sem procuração reconhecida: a Religião - melhor talvez, as religiões. No
caso vertente, a Igreja. E, para nós, a Católica. Seus delegados e juízes, dotados
de infalibilidade dogmática, são os “ministros hierárquicos”, mais deístas que
Deus, mais papistas que o Papa. Pela Constituição Dogmática da Igreja, foi
excomungado o Patriarca Miguel Cerulário, em 1054 (há quase mil anos!) e, com
ele, a Igreja Ortodoxa, desde então separada de Roma. Pela Constituição
Dogmática, em 1431, foi queimada viva na fogueira uma jovem francesa, Jeanne d’Arc,
por defender o seu povo. Ainda pela Constituição Dogmática foi excomungado, em
1521, Martinho Lutero e, por tal sentença, proliferaram na Europa e no mundo as
doutrinas protestantes. E pela mesma Dogmática Constituição têm sido
ostracizados, reduzidos ao silêncio, encarcerados no próprio país, muitos
pregoeiros da Verdade, lídimos cultores da Sabedoria, teólogos eminentes, mártires
anónimos, sobre cujo féretro a mesma Constituição Dogmática manda rezar ofícios
sagrados, que mais não são que cínicos impropérios repugnantes perante a barra
da Justiça autêntica, seja ela humana, seja ela divina.
Perguntar-me-ão
por que andas e bolandas venho eu, hoje mesmo, com este tão estranho arrazoado.
É
que hoje é 25 de Janeiro.Com recheio gordo de 4 “pratos”. Às companheiras
e companheiros viajantes dos “blog’s” proponho que descubram as consonâncias e as dissonâncias, os sabores
e dissabores da ementa:
1) O
“JM” (forma sincopada, semi-amputada do ex-“Jornal da Madeira”) tem propagandeado
“No Seminário diocesano, três dias de actualização do clero sobre a Constituição Dogmática da Igreja” à luz do Vaticano II. Ouso
sublinhar que, para a Madeira, podia ser “do Vaticano I”.
2) Hoje
encerra-se o Oitavário para a Unidade das Igrejas Cristãs, iniciativa centenária de um pastor protestante e depois adoptada pelo Vaticano, conducente ao
respeito pelos diferentes credos e instituições inspiradas na fé do mesmo
Cristo.
3) Hoje
evoca-se a conversão de Paulo de Tarso que, de feroz perseguidor dos cristãos,
passou a defensor incansável de Cristo, coração aberto para todos, gregos ou romanos, judeus
ou pagãos.
4) O
Papa Francisco, na entrevista ao El País (a
que fiz referência anteontem) acaba de verberar o clericalismo autoritário,
desenraizado da vida, castrador da Verdade Total – a Verdade que é participada
por todos e por cada um dos humanos.
E
a pergunta é:
Que
sentido faz hastear na diocese do
Funchal a bandeira de uma “Constituição Dogmática” ? Ou: como pode
compaginar-se o “prato nº1” com os outros três que se lhe seguem?... Dará em
congestão, de certeza. Ou em reacção nuclear.
Poderia
reproduzir aqui um extenso rol de citações bíblicas e doutrinais sobre a ilusão
em que navegam certos “príncipes da Igreja”, desactualizados, dogmáticos medievais, julgando-se
seguros por terem uma mitra na cabeça, um báculo dourado na mão e um código canónico
aos pés. Prefiro apenas procurar resposta a estoutra pergunta: Porque é que nenhum artista sacro, desde os
clássicos aos modernos, se atreveu a
representar Jesus Cristo com o mesmo toque de estilista: mitra filigranada na
testa, báculo na mão e cordão de ouro ao peito?...
Como
Saulo, outrora no caminho de Damasco, capital da Síria, desejo e empenho-me
todos os dias para que caiam as escamas do obscurantismo que ainda nos turvam a luz dos olhos. Dos
meus. Dos nossos.
25.Jan.17
Martins Júnior
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