Que
bom chegar ao fim de cada dia ímpar e conversar com os meus amigos e amigas! Porque ao escrever estas linhas, estou a ouvir
a vossa voz e até imagino a expressão do vosso rosto, umas vezes aprovando,
outras hesitando na sentença, outras talvez desaprovando, total ou
parcelarmente. Hoje, abertura de mais um fim-de-semana , passo ao lado de “casos”
obscuros e até traumatizantes, como seja o livro de Cavaco Silva, que aparece
agora “como Pôncio Pilatos no Credo” ou como a bíblica “mula do profeta Balaão
que falou sem ser interrogada”. (Núm.,22). O mais que se pode dizer é que a sua magra substância
está lá na proporção inversa da gordura
das 600 páginas encadernadas. Outros “casos”, o das 57 pistolas desaparecidas do depósito de
armamento da PSP, ou o charquinho dos sms,
tipo “guerras do alecrim e da manjerona” com que se tem auto-mimado a Direita continental
do nosso país.
Saiamos
por hoje – sem lhes sermos indiferentes –
destas galerias subterrâneas e respiremos ar puro. Ar puro que sopra da
realidade empírica que se passeia diante dos nossos olhos, para confirmarmos o conhecido
e comprovado axioma de que “a realidade ultrapassa a ficção”.
Aconteceu
assim. Na última coluna de domingo de El
País, M. Vicente titula desta forma o seu habitual comentário semanal: Erudiccion. Nele descreve, com mestria
de forma e fundo, o perfil dos homens eruditos, lentes do saber, portadores de
toneladas de conhecimentos, infatigáveis toupeiras das bibliotecas, de pestanas
queimadas, caídas sobre os velhos alfarrábios. Constituíam o éden inalcançável ao
comum dos mortais e, sempre que lhe pedíamos uma gota do saber, jorravam mananciais
de citações, títulos, glossários, que nos deixavam tão absortos quanto
inferiorizados. Mas hoje tudo mudou. Os contentores de vinte mil pés de cultura
cabem agora na palma da mão e o que antes brotava de um cérebro do outro
mundo hoje brilha instantaneamente nos dedos de uma criança. O colunista M.
Vicente discorria depois sobre os
portentosos tesouros de ciência que nos proporciona um simples telemóvel, cujo
mostrador deixa a léguas de distância os chamados velhos sábios das enciclopédias.
Gostei de lê-lo, embora céptico, qual descrente desiludido com a sub-reptícia desvalorização
do esforço porfiado dos mestres do saber.
Eis
senão quando, a realidade “cai-me na sopa”. No intervalo de um dos ensaios da tuna infanto-juvenil, fizemos uma deriva para
a literatura, a propósito do próximo tema de carnaval, uma sátira a Trump. “Sabem
o que é uma sátira?”, perguntei. Ninguém acertou. “Tirem o dicionário daquela
estante e procurem o termo sátira”. Os
dedos dos jovens viravam, reviravam páginas, percorriam avidamente as “entradas”
dos vocábulos, ansiosos por quem acharia primeiro e, com isto, já lá iam uns oito minutos.
Eis
senão quando – repito o estribilho – uma menina de 8/9 anos (que durante todo
este tempo mantinha-se calada, quase
indiferente) aproxima-se de mim, mostra-me o telemóvel e com toda a
naturalidade diz: “Está aqui”. E lá estava. “Sátira”. Fecham-se os dicionários, arrumam-se na
estante… e o saber brilhou num ápice sobre o mostrador do telemóvel.
Confirmei então, com surpresa e com gosto, que “a realidade ultrapassa a ficção”. Todos
na sala possuíam telemóvel, mas nenhum teve a intuição da ‘petiz de palmo e meio’. Uma biblioteca inteira,
um dicionário gigante, abertos de relâmpago, numa superfície de escassos
centímetros! Milagre da inteligência
humana, desde há séculos escondido, à espera de quem o descobrisse!
Para
as novas gerações, nada disto surpreende. É a piscina onde nadam todo o dia como
o peixe no mar. E é a prova de que as modernas tecnologias da comunicação,
quando bem utilizadas, constituem alavancas preciosas para o enriquecimento
holístico de todas as gerações. Depende tudo da condução inteligente e persistente
com que a família, a escola e a sociedade educarem aqueles que são a sementeira do
futuro.
E
isto é belo. Isto também é ar puro!
17.Fev.17
Martins Júnior
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