A
fechar o dia de Domingo – deste Domingo – ponho na mesa de que me lê a mesma ementa
que me coube degustar e assimilar desde
manhã até à noite. A originalidade da receita está no seu sabor agridoce ou, pela aproximação dos
contrários, uma espécie de ‘cocktail’ resolutivo, cujo efeito mais saudável
reconduz-nos a esta transparente descoberta: saber viver é uma ciência e é uma arte. Ciência
das antíteses e arte dos contrastes.
Parto
dos textos bíblicos deste Domingo, nos quais
o Líder e Mestre J:Cristo entrega as pistas para qualquer mortal alcançar
a suprema fasquia da perfeição humano-divina. Textualmente: “Se alguém te der uma
bofetada na face direita, oferece-lhe a face esquerda… Se alguém te puser em
tribunal para te extorquir a camisa, dá-lhe também a tua capa… Se alguém te
forçar a caminhar uma milha, faz o dobro, anda duas milhas… ama o teu inimigo, aquele
que te persegue”… (Mt.5, 38-48).
Um
purgante intragável, vexatório – diremos instintivamente - esta auto-flagelação, a roçar os limites da
nossa dignidade pessoal!
Entretanto,
pergunta-se: Mas o Cristo que assim legisla não é o mesmo que, em pleno
julgamento no tribunal do Sumo-Sacerdote
Caifás, ripostou frontalmente contra o ‘oficial de diligências’ que lhe dera um murro no rosto: “Que é isso? Se
falei mal, diz-me em quê? … Se não, então por que razão me agrediste com um soco
na cara?”. (Jo. 18,23).
E
não foi o mesmo Mestre que um dia sentenciou: “Julgais que eu vim trazer a paz
à terra?... Desenganem-se. O que eu vim trazer foi a guerra, até dentro da
mesma casa: o pai contra o filho e o
filho contra o pai; a mãe contra a filha
e a filha contra a mãe; a sogra contra
a nora e a nora contra a sogra”… (Lc. 12,
51-53).
Mais
ainda: Não foi o doce Nazareno que repetidas vezes se atirou desabridamente à
alta classe dominante dos Pontífices Máximos do Templo de Jerusalém,
chamando-os publicamente de “víboras peçonhentas e sepulcros por fora caiados
de branco, mas por dentro cheios da
podridão dos cadáveres”… chegando ao cúmulo de apresentar-se no mesmo Templo
com azorragues na mão e expulsar violentamente os que lá faziam da Casa de Deus
um centro comercial ?! (Mt. 23, 27; 21,
12).
Em
que ficamos, então? Na resignação-aceitação das injustiças, das humilhações,
dos sacrifícios e opróbrios… ou na firme coragem de contestar, invadir,
guerrear? É que ambas as atitudes foram decretadas e pessoalmente assumidas por
Ele! Com a mesma frontalidade e com a mesma convicção!
Uma
boa “dica” para pôr à prova a escala de valores e o timbre dos critérios que
comandam os nossos passos existenciais. Responda quem quiser. Pela minha parte,
concluo que o grande juiz desta tremenda causa está no pensamento de Ortega y
Gasset: “O homem é aquilo que é, mais a sua circunstância”. E o critério decisório
estará no binómio “oportunidade/utilidade”. É conhecido o estratégico axioma já
consagrado: “É preciso saber dar um passo atrás, para poder dar dois passos à
frente”. Galileu Galilei soube dar um passo atrás perante a crassa ignorância
dos eclesiásticos do Vaticano que queriam mandá-lo à fogueira da Inquisição.
Naquela oportunidade, seria inútil - e prejudicial para a ciência em curso –
deixar-se imolar por aquilo que, mais ano menos ano, seria uma inquestionável evidência.
Todos
já passámos por dilemas circunstanciais e chegámos a esta conclusão: Quando falei
e por instinto reagi violentamente, era quando deveria calar e aguardar
pacientemente. E quando deveria falar e agir com veemência, foi quando
cobardemente me calei e fugi. Intervir na luta ideológica, terçar argumentos na
liça político-social é um imperativo estrutural da nossa condição cívico/espiritual,
dependendo das circunstâncias o tipo de acções conducentes à vitória da
Justiça. Nisto consiste a oportunidade. Nunca o oportunismo. O equilíbrio.
Nunca o equilibrismo.
Levar-nos-ia
longe esta reflexão. Fico-me apenas pela
estratégia de tantos sábios lutadores, como o actual Papa Francisco que, com a
mesma coragem com que defende os marginalizados das periferias, de igual forma
exige a demissão de Albrecht von Boeselager, o Grão-Chanceler da Ordem Soberana e Militar de Malta e
destitui imediatamente o bispo alemão de Limburgo por ter construído, para residência pessoal, uma mansão imperial que custou a ‘módica’
quantia de 31 milhões de euros.
Há
tempo de esperar, com um olhar vigilante. E há tempo de investir corpo e alma
na conquista do que é fundamental e colectivamente
importante. Nisto está a perfeição. Por isso que viver é ciência e é arte.
19.Fev.17
Martins Júnior
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