Hoje
não trago mais que um instantâneo. Tão ofuscante e contundente foi, que para mim – e certamente para si, acompanhante
dos dias ímpares - ficará como um tratado de filosofia política ou financeira,,
um manual de sociologia e um laboratório de emoções. Porque é assim que procuro
interpretar o movimento cíclico das águas correntes: no efémero detectar o
perene.
Descia
eu a escada rolante de um desses formigueiros de gente a que se dá o pomposo cognome de hipermercados.
Enquanto as correias giratórias
circulavam lentamente, saltou-me à vista um sujeito, lá ao fundo, gabardine
laranja-desbotado, olhar inquieto, parecendo mais um fugitivo à procura de um
buraco onde esconder-se e com uns trejeitos de pescoço entre comprometido e assustado. Percebi que o homem preparava-se
para tomar a escada ascendente, contígua à nossa, mas algo lhe travou o passo.
Apeei-me e, acto contínuo, o homem subiu. Ninguém deu por ele, nem um bom-dia,
nem aceno de mão, nem um olhar, como se
de um estranho vulgar de Lineu se tratasse. Confesso que me deu um travo de
compaixão e mágoa natural ver ali, ao vivo, o contrastante, talvez pavoroso, dilema
entre a glória e o fracasso, entre o trono e o cadafalso, entre o apolíneo
clangor do poder e o subterrâneo tumular da humilhação pública. Por outras
palavras, o populismo febril e, em contraponto, o sol-posto de um sem-abrigo. Volto a dizer que cheguei a sentir pena
daquele instantâneo longo, imenso, eloquente. Quem tinha (ou julgava ter) o “mundo todo” na mão e todos
os viventes-vizinhos como escabelo a
seus pés… e agora reduzido a mero exemplar do formigueiro! Quem tudo fez tremer
debaixo do sobrolho alucinado… agora ignorado sem sombra de aragem, mesmo fria que fosse! Quem esmagava o corpo e
a palavra de homens e mulheres de talento, só para promover os medíocres
aduladores … agora, ali, de olhar vago e aluado, como a mendigar uma côdea de
simpatia ou um punhado de alfarrobas, mesmo falsas, sem ninguém que lhas desse!
Nem sequer daqueles que se locupletaram
na sua corte. Não gostei da cena.
Mais degradante foi ver que o homem não
teve coragem de confrontar-se, lado a lado, no vaivém das escadas rolantes, com
quem outrora, no auge do poder, insultou
e massacrou até à exaustão! Além de
cobardia, estava ali a inexorável sentença dos povos: “Quem ao mais alto sobe
ao mais baixo vem cair”.
Quero
esquecer o cenário-relâmpago daquela escada. Deito fora a casca do instantâneo.
Só tento reaprender o seu tronco e sorver a seiva que dele escorre. Não vale a
pena galgar o vértice de um poder absoluto, porque, quando menos se espera, a pirâmide volta-se ao contrário e é então que
o todo-poderoso torna-se vítima do
monstruoso bloco que fabricou. Falo dos
grandes impérios de ontem ou de hoje. Assim aconteceu, em alto relevo, com
Nero, o boçal imperador de Roma. Assim, com Napoleão, Hitler, Stalin, Mussolini, Bin Laden, Saddam. E assim com todos os tribais populistas de
agora, ainda que eleitos, desde a Coreia do Norte à Turquia, aos Estados
Unidos, à Rússia. A história não perdoa!
“Quem
a ferro mata a ferro morre” – já nos prevenira o Mestre quando Pedro desembainhou o
cutelo no Horto do Getsémani. As prepotências,
sejam elas de que cor ou dimensão, não passam de momentâneos
fogos-fátuos geradores das chamas que vitimarão os próprios titulares. Lições gigantes que se reescrevem nos
instantâneos miniaturais das escadas rolantes!
21.Fev.17
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário