Embora
não praticante da escrita em cima das águas correntes, hoje não escapo. Lá vai
esta folha rolante , escrita com a mesma
transitória inspiração com que depressa vai diluir-se no fluxo breve do
quotidiano. Mesmo assim, não posso deixar passar sem marcar na ponte um sinal,
uma mensagem que perdure.
Como eu, certamente não haverá aí ninguém
que fique indiferente às lágrimas de uma criança. Seja por que motivo for. Já o
nosso Augusto Gil, ao ver uma criança caminhando, descalça, sobre a vereda nevada, sentia uma infinita tristeza e uma funda turbação: “Cai neve na natureza e
cai no meu coração”. O pranto de um menino que vai para uma cirurgia, uma
menina vítima de bullying, uma
criança que perdeu o ano escolar, outra que perdeu o pai, a mãe, um irmão. E,
por todas, aquelas que procuram refúgio em terra estranha…
Mas o choro que hoje vos trago deu-me
para rir. E, logo depois, para mergulhar num mar de preocupações e de sofrimento
até. Paradoxo! Decifro-o em duas linhas.
Sábado passado, entrávamos num
restaurante, quando subitamente demos com um petiz – não teria mais de 5/6
anitos – que saía da sala, com os seus familiares. Encobrindo o rosto com o capucho de inverno, o
miúdo arfava, aos soluços sufocados, escondidos, dentro do casaco do pai. E por
mais carinhos que lhe dessem – não chores,
amanhã será melhor, p’rá semana vamos
ganhar – nada estancava aquela dor indizível do menino, nervosamente abraçado
ao pai. Perante o nosso espanto, o pai explicou-nos: “É que o Sporting acaba de
perder com o Porto. E ele é sportinguista”. Num primeiro impulso e porque nada de grave
lhe tinha acontecido, sublinhámos a cena com uma saudável risada.
Entretanto, o episódio trivial e, pode
dizer-se, humorístico, deixou-me perplexo. E tem-me
acompanhado por estes dias. As mágoas, os desgostos, as frustrações das crianças!
Elas existem no seu subconsciente e,
embora abafadas por timidez, de vez em quando vêm ao de cima entre lágrimas
furtivas. Quem terá tempo, intuição e paciência para interpretar os silêncios
doloridos de uma criança, nos recreios, nas aulas, nos amuos, no isolacionismo instintivo ?... Perscrutar o coração humano, muito mais o
mistério da alma infantil, não é tarefa fácil. Digam-no os professores, os
verdadeiros pedagogos. Eles sabem que um erro de cálculo na análise aos anómalos comportamentos de um jovem pode ter
consequências irreparáveis para toda a vida. Os professores, os pais, os
colegas, os vizinhos, “uma aldeia toda”. Todos somos chamados a esta tarefa
ingente, sempre inacabada.
Por outro lado, subi a montante e
tentei esquadrinhar as motivações do caso vertente. Um coraçãozinho recém-saído
do berço e quanta convicção, quanta força, quanta paixão! A criança ama ou
rejeita, liminarmente e sem sombras. Normalmente, não teatraliza nem conhece os truques da prestidigitação
adulta, matreira. Já o Mestre o reconhecia. “Se não vos fizerdes como crianças,
não entrareis no meu Reino”.
Aqui começa o Cabo das Tormentas, para
transformá-lo no Cabo da Boa Esperança. Preencher o coração da criança, povoar
a sua mente, introduzir no computador portátil, que é ela própria, os
programas, os ‘sites e megabites’, os
conteúdos adequados à sua dimensão etária, mas sempre com a projecção do
futuro, o seu futuro que chega a cada hora - eis o projecto ideal, a epopeia do
amanhã. Quem se alista nesta cruzada?!
Era neste segundo teclado que me
propunha compor a partitura de hoje. Porque esta é a mais decisiva de todas: a
programação do ensino, o código de estrada da vida, a sementeira de valores. Ficará
para mais tarde. Recordo um pensamento da pedagogia infantil: “A alma da
criança é como a cera mole. Qualquer vinco que se lhe faça ficará impresso para
sempre”!
Hoje é o Dia Mundial da Internet, do
maravilhoso mundo novo que contém e, paradoxalmente, das múltiplas ‘overdoses’
que ameaçam sobretudo os mais novos. Na mesma linha vão certas nefastas paranóias do futebol. Nunca percebi aquela cena paternalista, tresandando
a ridícula ‘pedofilia’ (entre comas) desportiva, que é a de entrar em campo com crianças pela mão.
Quem achar por bem, fique-se na sua. Só queria que me explicassem qual o
simbolismo último daquele descabido teatro.
Moral da história e que me desculpem os amigos Sportinguistas: Que o Jesus, o Grande
(o Jorge) de cabelos grisalhos, deite as mãos à cabeça e se debulhe em lágrimas
como uma madalena perdida, aceita-se. Agora o “Menino” pequenino… é caso para
acompanhar Augusto Gil: “… Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor,
porque padecem assim”?
Aqui, o ‘Senhor’ somos nós!
07.Fev.17
Martins
Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário