“Bom-fim-de-semana”…
Normalmente é este o envelope com que endereçamos aos outros um voto repousante
de higienização física e mental: uma paisagem, uma leitura, uma peça de teatro,
um concerto de boa música, nalguns casos um jogo de futebol, uma corrida
pedestre, enfim, um alibi para alívio
da rotina habitual – cansativa por ser rotina. Na minha condição, tenho sempre
à espera uma carta que vem de longe, de milhares de anos, sempre antiga e
sempre nova: um texto bíblico que se me oferece para reflectir e, depois, para
transmitir àqueles que me acompanham mais de perto na jornada da vida.
Não
é meu hábito trazê-lo para esta página. Mas hoje não resisti. Precisamente
porque vem na correnteza do escrito anterior, em que comentei a transparente
coragem do Papa Francisco no seu magistério docente e, daí, as arremetidas, umas
vezes surdas e baças, outras primárias e insolentes, vindas de colaboradores
directos que, conhecendo a luz da
Verdade, tudo fazem para que os outros não a vejam. Acusam Jorge Bergollio de
erro doutrinário, de tendencioso, desestabilizador, desalinhado e até de ter
sido um “erro do Espírito Santo” a sua eleição para Pastor da Cristandade. O
mesmo ‘destino’ tiveram e têm muitos teólogos, muitos sacerdotes, cujos nomes também
citei.
Ora,
nem de propósito. A literatura bíblica deste Domingo traz-nos a resposta, o esclarecimento
iniludível, a síntese que define toda a dialéctica. O Logos, a Palavra por excelência, o Mestre J:Cristo foi considerado pelos
Sumos ‘Pontífices’ de Jerusalém como um marginal incorrigível, um perigoso agitador da
ordem pública. Para comprometê-lo perante as instâncias políticas acusaram-no
de rival de Herodes e Pilatos, representantes do Império Romano. Para
condená-lo no Sinédrio (a Inquisição de então) não fizeram por menos: “Ele é um
blasfemo, um bêbedo, o pecador, o da má-vida. Ele é o Belzebú, príncipe dos
demónios”. Enfim, um desalinhado, repudiado
pelos senhorios da lei e da opinião pública. Amado e apaixonado pelo Mestre, o
Povo, só o Povo.
Mas
o que mais me perturba e revolta é que, além de “desalinhado” para o seu tempo,
Ele foi e continua a ser “o abusado” pelos que tomaram conta do seu legado e
dizem-se seus representantes. Leio o excerto do texto de Mateus, 5, 13-16,
indicado oficialmente para este domingo:
“Se o vosso código de
justiça não superar o dos escribas e fariseus (os
‘Doutores da Lei’) não podeis pertencer
ao meu reino… E tu, se vieres trazer uma oferta ao altar e, aí, te recordares
que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, vai lá fora (sai do
templo) reconcilia-te com o teu irmão
(fala com ele, pede-lhe perdão) e
só depois disso é que estás apto a entregar a tua dádiva” (só então, estás absolvido).
Onde
está aqui a inauguração da confissão eclesiástica?... Quem vê neste normativo
as tabuinhas de pinho e as misteriosas grades dos confessionários?... Afinal, quem
é o juiz desta causa?... Um personagem estranho, um terceiro que não é parte no
processo?...
Como
foi possível decretar (e mais lamentável) aceitar tamanho atestado de
irresponsabilidade criminal, impunidade
gratuita e humilhante inimputabilidade?!... Compulsando o
Livro do Ben-Sirá (a primeira leitura de hoje), escrito duzentos anos antes de
Cristo, aí se afirma que “Deus concedeu ao homem o dom da liberdade e pôs nas suas mãos o poder
(a responsabilidade) das suas decisões”.
Como foi possível, então, entortar a Verdade original?
Este
é apenas um caso entre muitos, trazido hoje à colação por se me afigurar
oportuno para este fim-de-semana. E em forma de desabafo, apetece-me dizer: De
que serve, ó Cristo, te cansares tanto com quem não quer ver nem aprender?...
Mas sempre vale a pena seguir-Te as
pegadas: a vida é tão breve que seria um
crime enchê-la de cegueira e escuridão.
11.Fev.17
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário