Porque
é domingo e porque os sons e as luzes que nos vão cercando exalam o cheiro das tangerinas da Festa, ousei
titular esta mensagem com o original francês
- “divertissement” – nome que muitos compositores deram aos trechos musicais,
a um tempo ligeiros e inspiradores. É exactamente este tom quase jocoso, ma non tropo, que pretendo dar a este
apontamento sobre o Natal, para responder a uma questão que tem tanto de
ingénua como de profundo: Será preciso pôr Natal neste arraial de euforia
colectiva em que nos mergulhamos “de cabeça, tronco e membros”?
Só tem dois andamentos esta breve fuga ao grande circo da quadra divertida com que nos brinda a presente
estação.
O
primeiro poderia formulá-lo nesta hipótese imaginativa. Quem, de fora, aprecia
este frenético corrupio de magotes ambulantes de um lado para outro, quem se
envolve nesta bebedeira consumista de ‘chineses’, lojas ‘continente’ e ‘pingo-doce’,
quem se deslumbra com as árvores gigantes iluminadas ou os artísticos dosséis luminosos
que perpassam sobre as nossas cabeças ao percorrermos a cidade, quem ‘se perde’ neste reboliço global
e depois tem um tempinho para sentar-se num banco da placa central não pode deixar
de perguntar-se a si próprio: “Que falta faz aqui o Presépio de Belém? Com ou
sem o Menino, os santinhos, mais a vaca e o burrinho, alguém deixaria de pegar
no carrocel ou provar a ‘bela poncha’ , ou
vai se quer fechar os olhos ao incêndio celeste da noite de São Silvestre? De
modo algum. Mesmo sem a gruta de Belém, toda a multidão explode de emoção: Que
Grande Festa, Maravilha, Extraordinário!
Segundo
andamento: Imaginemos, ao invés, que no centro da cidade erguer-se-ia o
Presépio, um palheiro-pardieiro, com uma criança lá dentro, recém-nascida, rejeitada em todas as maternidades, pensões e
hotéis da mesma cidade. Nos olhitos da criança um sonho: mudar as estruturas caducas da humanidade. Mas na capital da ilha pouco mais havia de espectacular. Que diriam os
residentes e os turistas: “Que vergonha de Natal é este, que festa é uma,
vamo-nos já daqui para fora”!
No
entanto, este é que seria o verdadeiro Natal, o facto histórico autêntico, o
original, o protótipo, do qual as cidades e as aldeias de todos os tempos
fizeram fotocópias. E desfiguraram-no de tal maneira, que hoje se torna
irreconhecível, ausente, despedido e até incómodo numa sociedade moderna,
civilizada..
Deste
breve entretenimento não apresentarei quaisquer conclusões pessoais. Se alguém
tiver a coragem de acompanhar-me nesta viagem de ‘dois andamentos’, fica desde
já convidado a formular propostas de conclusão. Ainda assim, em jeito de
roda-pé, apeteceria dizer: Podem tirar o Menino e a Mãe e o bovino e o asinino
da gruta, que, mesmo assim, a Festa continua, os supermercados despejam
contentores nas casas, as bandas alargam o perímetro da avenida, os carrocéis
vão aos ares e vêm… Enfim, o que nós queremos é a cretina dupla panem et circenses (pão e jogos, ou circos
e festas) como o povo miúdo de há dois e três séculos. Com ou sem Menino.
Porque
este é um “divertissement” de Natal não serão pessimistas as conclusões. Pelo
contrário, divertidas. Como esta: Liga-se mais à essência das broas e dos
licores, dos foguetes e das feiras, enfim, à essência do vinho do que à Essência
do Natal. Da minha parte, transitarei por todas, mas só deter-me-ei nesta
última, a Essência do Natal.
03.Dez.17
Martins Júnior
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