Calculo
a sensaboria com que muitos aceitarão
este meu produto de fim de semana. Ou talvez nem o aceitarão, pois que traz um
rótulo enfadonho, embora ‘perfumado’ pelo bolor dos mitos religiosos que se colam
inconscientemente aos indivíduos e às sucessivas gerações. Faço-o porque estou
entre dois dias feriados e consagrados. Faço-o também porque sei distinguir o
que é magia e sonho daquilo que é mito redutor de factos e personalidades.
Faço-o, ainda, porque o mito balança entre o 1 e o 8 de Dezembro. Poucos
parágrafos bastarão.
Primeiro:
dizem os livros que os conjurados e, com eles, D. João IV atribuíram à “Senhora da Conceição” o sucesso da ‘Restauração’
de 1640 e, por isso, consagraram-na ‘Rainha
e Padroeira de Portugal”, inclusive com o direito exclusivo de, só ela e não o
monarca, passar a usar a coroa do Império. Primeiro mito, herdado já desde 1385
em agradecimento da vitória de Aljubarrota, com a agravante herética de colocar
Maria, Mãe Cristo, ao mesmo nível da ‘padeira’ que matou sete castelhanos com
uma pazada. Sempre o mesmo instinto de endossar aos deuses as escaramuças e
guerras que os homens fabricam!
Segundo:
desde a infância tenho ouvido que a nomenclatura ‘Senhora da Conceição’ significa
que uma mulher – Maria – foi concebida e isenta do “pecado original”, isto é,
foi a única que escapou à condenação inelutável por um crime que todo o bebé
carrega aos ombros pelo facto de vir ao mundo… Esse crime – aleatório, sem
conteúdo nem tipificação definida - quem
o cometeu foi Adão, levado pela Eva, o qual marcou como um ferrete cruel toda a
criança recém-nascida. Até ao fim dos tempos será assim. Quem poderá suportar
esta tremenda difamação, só de per si suficiente
para instaurar um processo de injúria junto do Ministério Público!... Aqui, o
mito atinge proporções dantescas. Para ser condenado logo que sai da barriga da
mãe, melhor seria então não ter nascido...
Terceiro:
isento de ‘pecado original’ é privilégio que torna o indivíduo imune ao erro e
à deficiência, particularmente na área dos comportamentos e atitudes.
Conclusão: Maria foi a mulher formatada para ser perfeita, dotada da ‘bossa craniana’
que lhe vedava o acesso a qualquer solicitação negativa. Por outras palavras,
mesma que quisesse, ela não podia errar. E o mito chega agora ao cúmulo de
considerar Maria como um autómato, quase um robot
matematicamente predeterminado, enfim, Maria, regida pelo instinto, como as
abelhas perfeccionistas que, desde o princípio do mundo, constroem infalivelmente
o génio de um favo de mel… Em sendo
assim, conclui-se que a grande Mulher, mãe do “Homem mais Inteligente da
História” (Augusto Cury), nenhum mérito teria por ser Santa, Perfeita,
Imaculada Conceição… É implacável a
lógica do erro!
Quarto:
todas as eventuais manifestações negativas do ‘pecado original’ (e são patentes, até nas crianças, as deficiências inatas, a vários
níveis) só têm um nome e uma fonte: a genética. Por desconhecerem, à época, as
leis científicas da hereditariedade, os teólogos de então, com Santo Agostinho
de Hipona à cabeça, recorreram a uma categoria ‘extraterrestre’, reveladora do
castigo divino e a que chamaram o dito cujo nome. E, em vez de apelarem à
autonomia do ser humanos, às suas virtualidades dominadoras e libertadoras,
jogaram o problema para um ‘estádio’ superior – a teoria do ‘pecado original’.
A ciência destruiu o mito de séculos. O Homem assume-se herdeiro de um processo
dinâmico em que os genes de outrora vivem com ele. Dele depende a sublimação, a
construção do monumento que traz virtualmente dentro de si. Neste entendimento,
têm mais valor os que lutam pela perfeição holística do ser humano, como foi a
autêntica Maria de Nazaré, do que os que,
segundo o mito, nasceram robotizados, milimetricamente formatados,
sem hipótese de errar.
Só
há caminho fora do mito!
09.Dez.17
Martins Júnior
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