Foi
o contraste dos dias que me fez mudar de direcção no alinhamento destes momentos
de diálogo implícito, ao cair da noite.
Assistimos
todos e assistiu todo o mundo, estupefacto e tragicamente expectante, perante
um mastodonte humanóide vomitando, de olhos vendados, barris de pólvora sobre o tão retalhado e esmagado Oriente: “Vou
mudar a Embaixada dos EUA, de Telavive para Jerusalém”. O planeta estremeceu de espanto e horror na
visão do inferno feito de labaredas de sangue e ossadas que julgávamos
socialmente extintas. Impantes de orgulho sádico, só os judeus de Nova York,
magnatas da finança americana.
Do
outro lado do hemisfério, uma voz se ergueu. Foi a primeira a rasgar os ares da
manhã de ontem para protestar, com a autoridade ético-política que lhe assiste,
contra tamanha e selvática maldição. Veio de Roma e foi a voz de Francisco Papa
que, intrepidamente, reafirmou a tríplice dimensão da “Cidade Santa” de
Jerusalém, onde o Nazareno foi assassinado, de braços abertos, para significar
a comum universalidade etno-político-religiosa dos humanos, representados nas
três credos: judeus, cristãos e muçulmanos. Assim falou Francisco, preocupado
e angustiado, acentuando: ”Não me posso calar”. Que testemunho de coragem e
autenticidade, tão diferente de outros titulares de uma Igreja, tantas vezes cobarde
e colaboracionista!
Nem
de propósito! Neste dia 7 de Dezembro, evoca-se a memória de um grande líder
religioso, do século IV, d.C.. Ambrósio, de seu nome, era arcebispo da, já
então famosa, cidade de Milão. Era o
tempo em que, após o decreto imperial de Constantino Magno, os cristãos
ganharam liberdade de culto. Os Imperadores Romanos passaram de perseguidores a
protectores da Igreja e tinham assento privilegiado nas basílicas recém-construídas.
Ao tempo de Ambrósio, era soberano o Imperador Teodósio, assíduo frequentador
da catedral de Milão.
Algo aconteceu que veio alterar esta mútua cordialidade
entre os dois. Teodósio mandou invadir e saquear uma pobre população de 7.000
habitantes de Tessalónica. Ambrósio ficou tão indignado que, no domingo
seguinte, quando o Imperador Teodósio e sua comitiva se preparavam para entrar,
como de costume, na catedral, o arcebispo correu à porta do templo e,
ostensivamente barrou-lhe a passagem. Mais: obrigou-o a penitenciar-se perante
a população e sentenciou-o a caminhar durante meses sobre as montanhas geladas
dos Alpes, como condição prévia para poder reentrar na catedral de Milão. Eminente
lição, que ficou impressa na história, em homenagem à Paz, contra os promotores
das guerras! Imortalizou-a o pintor seiscentista Antoon van Dyck.
Titulei
este nosso encontro de uma forma, talvez demasiado impressiva, repetindo um ditado popular: “JÁ NÃO HÁ GENTE DESSA”. É
que, compulsando as páginas de outrora, deparamo-nos com uma Igreja
colaboracionista, ‘edificantemente’ calada, perante atrocidades de governos
opressores de populações indefesas. Não vou mais longe: recordo as guerras
coloniais, em que a Igreja oferecia os seus serviços e até obrigava os padres a
integrar-se nos batalhões do exército, promovendo-os a capelães militares. Mais
perto, porém, não esqueço uma Igreja
diocesana madeirense que, conluiada com o governo, consentiu que um efectivo de 70 polícias ocupasse um pobre
templo (foi na Ribeira Seca, em 1985) durante 18 dias e 18 noites.
Hoje,
porém, emendo o título. Faço-o, perante a atitude de Francisco Papa face à
loucura irresponsável de Trump. E já não é a primeira vez. O facto de o ter
recebido no Vaticano, em visita protocolar, não o impediu de censurar o comportamento ditatorial
do presidente americano, nestes termos: “Trump não é cristão”.
Ambrósio
e Francisco: separados por 17 séculos de distância temporal, estão juntos no
mesmo tronco evangélico – firmes e corajosos: “Felizes os que têm fome e sede
de justiça… Felizes os obreiros da Paz”. (Mt.22,37-40)
Afinal, AINDA
HÁ GENTE DESSA !!!
07.Dez.17
Martins Júnior
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