Noite
das bruxas só há uma, dia das petas é todo o ano.
Passada
a ponte, chegámos à outra margem, onde a mentira é boba e rainha. Os jornais
que se ataviaram com as mais azougadas ‘chinesices’ saíram logo no dia seguinte
para deslindar e confessar a originalidade das mentiras que aos quatro ventos
espalharam no 1º de Abril. Uma delas (ridicule,
mais charmant) foi a do matutino que tirou do bestunto o “atumbarão” que
uma traineira despejou no estuário do Curral das Freiras. E o zé-magala diverte-se,
comove-se até ao tutano.
Mas
o que poucos descobrem na gargalhada das petas é que elas são pedidas e
servidas à nossa mesa com o ‘papo seco’ de cada manhã. Parece que dia sem petas
não é dia. Logo de madrugada, ajuntas o maço de papel tipografado a que
chamamos jornal e tens de engolir na mesma xícara de café as mais pedregosas
charadas que te querem impingir os escribas-pitonisas falidas de Delfos. Seja
verdade ou mentira, não há filtro que nos valha. Depois lavamos os tímpanos e
arregalamos os olhos para deixar entrar as rajadas mais desconexas do pivot de serviço.
Mentem-nos
(e nós agradecemos) os boletineiros do tempo, os boateiros polidores
de esquina, as vizinhas do lado, os camaradas de ofício, as pagelas horárias
dos comboios e aeronaves. Mentem-nos e riem-se de nós os fazedores de leis, os
palradores, roedores de queijo fresco, as araras de gaiola dourada e os
periquitos charlatães, pica-paus intermitentes nos paços dos terreiros do povo.
Mentem-nos
os tribunais pela boca de testemunhas sem freio. Mentem-nos os menus da feira
do tecido e da tesoura, os curandeiros oficiais e os clandestinos de
trazer-por-casa. Mentem-nos os DDT (os Donos-Disto-Tudo) da finança, da banca
deles e da enxerga nossa, os salvadores das pátrias, os “vampiros” encapuzados
do poder, que dão com uma mão e roubam
por outra. Também os beneméritos cavaleiros da égua de Tróia que traz na juba ouro
e prendas de Ofir, mas no bojo um paiol de metralhadoras letais. Até nos mente
a Bíblia, quando atesta que a mulher só vale uma costela do homem ou que o sol
é que anda à volta da Terra. E mentem as religiões (todas!) quando vendem, por
decreto, o mundo do além e a sua felicidade pelo couto de um vela e pela
monotonia autista de uma missa.
Em
suma, gostamos de ser enganados, fintados, mordidos todos os dias pelos caninos
‘amigos’, os de perto e os de longe. E até pagamos e pomos ao seu serviço as
deslumbrantes conquistas da ciência e da tecnologia, face-book’, twitter,
instagram, enfim, as armas poderosíssimas do talento inventivo dos humanos. O
mais grave, senão mesmo criminoso, é deixarmos deliberadamente uma criança ou um jovem na rua do embuste, na cova dos leões
da tecnologia, serventuária da mentira generalizada.
Se
há datas que dispensam a entronização de um dia, uma delas é o “1º de Abril”. É
como se diz do Carnaval ou, paradoxalmente, do Natal. Eles são sempre e quando
os quisermos. E, para nosso escárnio e nossa vergonha, o vulgo quere-o todos os
dias, o 1º de Abril.
Um voto
final: Que fique um dia, só um, para o ‘populucho’ regabofe grotesco do 1º de Abril. E que em
mais nenhum dia e nenhuma hora do ano se franqueie a porta aos fabricantes de
petas que depois se transformam em fabricantes de petardos.
03.Abr.19
Martins Júnior
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