quarta-feira, 3 de abril de 2019

FARSA E PERIGO: TODOS OS DIAS SÃO 1º DE ABRIL


                                                           

Noite das bruxas só há uma, dia das petas é todo o ano.
Passada a ponte, chegámos à outra margem, onde a mentira é boba e rainha. Os jornais que se ataviaram com as mais azougadas ‘chinesices’ saíram logo no dia seguinte para deslindar e confessar a originalidade das mentiras que aos quatro ventos espalharam no 1º de Abril. Uma delas (ridicule, mais charmant) foi a do matutino que tirou do bestunto o “atumbarão” que uma traineira despejou no estuário do Curral das Freiras. E o zé-magala diverte-se, comove-se até ao tutano.
Mas o que poucos descobrem na gargalhada das petas é que elas são pedidas e servidas à nossa mesa com o ‘papo seco’ de cada manhã. Parece que dia sem petas não é dia. Logo de madrugada, ajuntas o maço de papel tipografado a que chamamos jornal e tens de engolir na mesma xícara de café as mais pedregosas charadas que te querem impingir os escribas-pitonisas falidas de Delfos. Seja verdade ou mentira, não há filtro que nos valha. Depois lavamos os tímpanos e arregalamos os olhos para deixar entrar as rajadas mais desconexas do pivot de serviço.
Mentem-nos  (e nós agradecemos)  os boletineiros do tempo, os boateiros polidores de esquina, as vizinhas do lado, os camaradas de ofício, as pagelas horárias dos comboios e aeronaves. Mentem-nos e riem-se de nós os fazedores de leis, os palradores, roedores de queijo fresco, as araras de gaiola dourada e os periquitos charlatães, pica-paus intermitentes nos paços dos terreiros do povo.
Mentem-nos os tribunais pela boca de testemunhas sem freio. Mentem-nos os menus da feira do tecido e da tesoura, os curandeiros oficiais e os clandestinos de trazer-por-casa. Mentem-nos os DDT (os Donos-Disto-Tudo) da finança, da banca deles e da enxerga nossa, os salvadores das pátrias, os “vampiros” encapuzados do poder,  que dão com uma mão e roubam por outra. Também os beneméritos cavaleiros da égua de Tróia que traz na juba ouro e prendas de Ofir, mas no bojo um paiol de metralhadoras letais. Até nos mente a Bíblia, quando atesta que a mulher só vale uma costela do homem ou que o sol é que anda à volta da Terra. E mentem as religiões (todas!) quando vendem, por decreto, o mundo do além e a sua felicidade pelo couto de um vela e pela monotonia autista de uma missa.
Em suma, gostamos de ser enganados, fintados, mordidos todos os dias pelos caninos ‘amigos’, os de perto e os de longe. E até pagamos e pomos ao seu serviço as deslumbrantes conquistas da ciência e da tecnologia, face-book’, twitter, instagram, enfim, as armas poderosíssimas do talento inventivo dos humanos. O mais grave, senão mesmo criminoso, é deixarmos deliberadamente uma criança ou  um jovem na rua do embuste, na cova dos leões da tecnologia, serventuária da mentira generalizada.
Se há datas que dispensam a entronização de um dia, uma delas é o “1º de Abril”. É como se diz do Carnaval ou, paradoxalmente, do Natal. Eles são sempre e quando os quisermos. E, para nosso escárnio e nossa vergonha, o vulgo quere-o todos os dias, o 1º de Abril.      
  Um voto final: Que fique um dia, só um, para o ‘populucho’  regabofe grotesco do 1º de Abril. E que em mais nenhum dia e nenhuma hora do ano se franqueie a porta aos fabricantes de petas que depois se transformam em fabricantes de petardos.

03.Abr.19
Martins Júnior

Sem comentários:

Enviar um comentário