sexta-feira, 5 de abril de 2019

MALAS-ARTES DA INFORMAÇÃO


                                                    

                                                           

Mais depressa dissesse no último blog que “todos os dias são 1º de abril” – e tão depressa veria escrito na terra e no ar a sua confirmação. No fogo cruzado da opinião pública e publicada, seja ele fogo amigo ou fogo inimigo, elas aí proliferam e multiplicam-se as amibas da informação, da mais rasteira à mais descomunal, até envenenar o chão que pisamos e o ar que respiramos. E o resultado não se faz esperar: o tédio, a anestesia geral, a aversão a tudo quanto destila notícia, mesmo que se apresente como canal, globo, mundo informativo, expresso, correio ou gazeta.
Mais grave e nauseabundo, porém, é quando a contradição estala na própria central de informação. Acontece, não pouco frequentemente, logo a partir da porta de entrada (leia-se, título) da sede noticiosa. Entra-se na casa, sobe-se pelas escadas, percorrem-se as salas e os cubículos, (leia-se, as páginas ou os conteúdos interiores) e, afinal, descobrimos com um misto de surpresa e indignação que o título não corresponde à inteireza da notícia; pelo contrário, elide a verdade dos factos e ilude despudoradamente o espectador ou consumidor da informação. Intencionalmente ou não, refém de ideologias ou subserviente às ordens do dono-capital da casa, o embuste fica a descoberto. Subverte-se a verdade e revolta-se o destinatário. É manifestamente um caso de publicidade enganosa, em que o conteúdo desmente o continente (leia-se, o rótulo, o título).
         Para que não restasse sombra de dúvida, a prova veio logo a seguir ao 1º de abril. O reclame da casa falava de uma “Carta Aberta contra a greve dos enfermeiros” e carregava-a de pretenso peso verídico, acrescentando que “Constantino Sakellarides e Fernando Rosas são alguns dos 120 signatários”. Ora, no desenvolvimento da notícia, lê-se que um dos autores da Carta afirma peremptoriamente que “o principal foco da mensagem é o poder político, para colocar a reforma dos recursos humanos na agenda política”. Eis, portanto, a letra e a interpretação essencial do noticiado, as quais deveriam figurar como título, para evitar leituras contrárias ao seu objecto nuclear. A um leitor comum, a informação redactorial, vista do título de 1ª página, elege como alvo os enfermeiros grevistas e toda a classe. É um facto indesmentível que a Carta também se dirige aos enfermeiros, mas como proposta estratégica de acção, mais precisamente: “Temos de conseguir que as nossas reivindicações sejam vistas como justas e não antagonizar a sociedade”.
         Não importa qual o periódico e quais os jornalistas (os casos repetem-se todos os dias, aqui e além), porque o que está em causa é a subversão do essencial em prol do acidental. Essencial aqui era a luta pelos “recursos humanos” exigidos ao poder político. Acidental e como efeito secundário, o esclarecimento e o respeito pela sociedade envolvente. É o risco perigosíssimo de fazer coabitar a verdade com a mentira, enfim, as meias verdades, claudicadas e incompletas.
         Sirva este breve apontamento de guião para entrar na selva do mundo informativo, disseminada por tudo quanto possui o peso de influenciar-nos pelo papel e por todas as sofisticadas redes comunicacionais.
         Quanto à imprensa escrita (e sem desprestígio de quem a faz) conforta-nos a observação, sábia e mordaz, de Charles Péguy: “O diário de ontem já é mais velho que a Odisseia de Homero”.

         05.Abr.19
Martins Júnior

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