Mais
depressa dissesse no último blog que “todos
os dias são 1º de abril” – e tão depressa veria escrito na terra e no ar a sua
confirmação. No fogo cruzado da opinião pública e publicada, seja ele fogo
amigo ou fogo inimigo, elas aí proliferam e multiplicam-se as amibas da
informação, da mais rasteira à mais descomunal, até envenenar o chão que
pisamos e o ar que respiramos. E o resultado não se faz esperar: o tédio, a
anestesia geral, a aversão a tudo quanto destila notícia, mesmo que se
apresente como canal, globo, mundo informativo, expresso, correio ou gazeta.
Mais
grave e nauseabundo, porém, é quando a contradição estala na própria central de
informação. Acontece, não pouco frequentemente, logo a partir da porta de
entrada (leia-se, título) da sede noticiosa. Entra-se na casa, sobe-se pelas
escadas, percorrem-se as salas e os cubículos, (leia-se, as páginas ou os conteúdos
interiores) e, afinal, descobrimos com um misto de surpresa e indignação que o
título não corresponde à inteireza da notícia; pelo contrário, elide a verdade
dos factos e ilude despudoradamente o espectador ou consumidor da informação. Intencionalmente
ou não, refém de ideologias ou subserviente às ordens do dono-capital da casa,
o embuste fica a descoberto. Subverte-se a verdade e revolta-se o destinatário.
É manifestamente um caso de publicidade enganosa, em que o conteúdo desmente o
continente (leia-se, o rótulo, o título).
Para que não restasse sombra de dúvida,
a prova veio logo a seguir ao 1º de abril. O reclame da casa falava de uma “Carta
Aberta contra a greve dos enfermeiros” e carregava-a de pretenso peso verídico,
acrescentando que “Constantino Sakellarides e Fernando Rosas são alguns dos 120
signatários”. Ora, no desenvolvimento da notícia, lê-se que um dos autores da
Carta afirma peremptoriamente que “o principal foco da mensagem é o poder
político, para colocar a reforma dos recursos humanos na agenda política”. Eis,
portanto, a letra e a interpretação essencial do noticiado, as quais deveriam
figurar como título, para evitar leituras contrárias ao seu objecto nuclear. A
um leitor comum, a informação redactorial, vista do título de 1ª página, elege
como alvo os enfermeiros grevistas e toda a classe. É um facto indesmentível
que a Carta também se dirige aos enfermeiros, mas como proposta estratégica de
acção, mais precisamente: “Temos de conseguir que as nossas reivindicações
sejam vistas como justas e não antagonizar a sociedade”.
Não importa qual o periódico e quais os
jornalistas (os casos repetem-se todos os dias, aqui e além), porque o que está
em causa é a subversão do essencial em prol do acidental. Essencial aqui era a
luta pelos “recursos humanos” exigidos ao poder político. Acidental e como efeito
secundário, o esclarecimento e o respeito pela sociedade envolvente. É o risco
perigosíssimo de fazer coabitar a verdade com a mentira, enfim, as meias
verdades, claudicadas e incompletas.
Sirva este breve apontamento de guião
para entrar na selva do mundo informativo, disseminada por tudo quanto possui o
peso de influenciar-nos pelo papel e por todas as sofisticadas redes
comunicacionais.
Quanto à imprensa escrita (e sem
desprestígio de quem a faz) conforta-nos a observação, sábia e mordaz, de
Charles Péguy: “O diário de ontem já é mais velho que a Odisseia de Homero”.
05.Abr.19
Martins Júnior
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