Só
o sente quem o ama. E para amá-lo é preciso sofrê-lo.
Não foi preciso que alguém escrevesse
estas palavras nessa tarde de sol de Abril em frente da cadeia de Caxias. De cada
rosto, de cada fala e sobretudo de cada silêncio saía perfeita a legenda do que
se estava a passar. Eram os 45 anos cumpridos do vaticínio clamoroso de Manuel
Alegre:
Hei-de
passar nas cidades
Como
o vento nas areias
E
abrir todas as janelas
E
abrir todas as cadeias
Gente madura e gente a caminho dela.
Homens, Mulheres, Jovens – filhos e netos dos “inquilinos forçados” de há mais
de quatro décadas. E Crianças também, que “são o melhor do mundo”. Quando
chegámos ninguém as via. Mas o melhor daquele mundo aconteceu quando,
surpreendentemente, se abriram os portões da cadeia e de lá irromperam em
revoada crianças e mais crianças, de cravos nas mãos e vozes brilhantes,
saltitantes, gritando “Liberdade, Viva a
Liberdade” Depois, dirigiram-se espontaneamente aos presentes e
sussurravam ao ouvido de cada um de nós um íntimo segredo guardado desde a
nascença:” Viva a Liberdade, 25 de Abril Sempre”, enquanto nos ofereciam cravos
e a sacola onde estavam gravados os já citados versos do Poeta da Liberdade.
Impossível conter a emoção ao ver ali
presentes muitos daqueles que outrora viveram, morrendo aos poucos, entre
algemas e torturas e, agora, novamente unidos e abraçados, festejando quase
meio século da liberdade reconquistada. Patente no seu olhar e em todo o seu
semblante um misto de dor e esplendor, partilhado por todos os presentes.
Naquela casa fatídica gerou-se “o dia inteiro e limpo” de um novo Portugal.
Eloquente, pela sua simplicidade e quase apagamento no meio da multidão, o
grande Obreiro da Libertação, Otelo Saraiva de Carvalho, a quem foi prestada
homenagem pelos intervenientes, entre outros, Manuel Alegre e Francisca Van Dunem,
Ministra da Justiça.
Momento alto o encontro com personalidades que, para nós ganharmos a
liberdade em 1974, ficaram antes sem a sua liberdade em deportações e prisões.
Caxias, Peniche, São Paulo de Angola, Tarrafal. Alguns deles, tive eu a alegria
de trazê-los a Machico, em missões de esclarecimento, quer pelo discurso quer
pelo canto, lembrando-me o saudoso Zeca Afonso e o Luís Moita, ao qual me unem
traços de profunda afinidade no sonho, na luta e na vida. Guardarei até ao fim
a honra deste encontro que a foto registou.
Dia Grande em Oeiras, onde uma preciosa
exposição, da responsabilidade da curadora, (também historiadora do 25 de Abril
na Madeira) Profª Raquel Varela, fornece um conhecimento histórico-científico
do mais alto perfil sobre a Revolução dos Cravos, a qual bem-vinda e útil seria
se rumasse até à nossa Região.
Abril e o Dia Novo só os revive quem os
amou e sofreu para aqui chegar!
27.Abr.19
Martins
Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário