Ecoa
ainda nos umbrais dos tempos o grito helénico, de espanto e euforia, diante do
mar – Oh Tálassa, Oh Tálassa – entronizada a deusa emersa do Mar Mediterrâneo!
A
mesma exaltação quase mítica parece invadir o planeta e dinamizar os humanos à
procura do Mar, muito antes navegado. Prova-o a
que hoje se inicia em Lisboa. Dir-se-ia que é um outro mar – um mar de
gente – a tomar conta do vasto Oceano: 7000 personalidades, 142 países, 17
chefes de Estado, 11 chefes de Governo, 113 ministros, 38 agências especializadas,
1178 organizações não-governamentais, 410 empresas, 154 universidades, cientistas, observadores, jornalistas. No topo
da grande pirâmide, o Secretário Geral da ONU, António Guterres. Comparado a
outros magnos acontecimentos simultâneos, com chancela mundial, desde a reunião dos G7 ao poderoso simpósio
da NATO, esta Cimeira do Mar será talvez o fenómeno mais puro, mais ambicioso e
mais determinativo em termos do futuro da humanidade inquilina das terras e dos
mares.
Se
a todo o português deveria ser motivo de curiosidade e preocupação, a um ilhéu –
nado e criado neste Atlântico, berço azul líquido da Ilha – deveria sê-lo muito
mais. Olhar o mar, interrogá-lo, ouvi-lo, desejá-lo, amá-lo e respeitá-lo! Por
todos estes pressupostos lógicos, não poderia eu ficar indiferente a tão
eloquente alarme ocorrido no nosso país.
É
de um verdadeiro alarme que se trata. Antes que os ‘piratas da Terra’ se voltem
para o Mar para raptá-lo e secá-lo na delapidação dos seus fundos, impõe-se uma
reflexão séria para não deixar sair das docas as corvetas dos novos corsários,
interessados apenas no lucro fácil.
Tem
sido essa a preocupação dos oceanógrafos, dos estrategas do progresso e de
muitos políticos preocupados com os ecossistemas planetários. Recordo-me da Conferência Internacional sobre os Oceanos realizada na capital portuguesa em 1994, na
qual tive a honra de participar, a
convite do então Presidente da República, Dr. Mário Soares. Ainda persistem
dentro de mim os apelos feitos por - e
para - altos responsáveis do mundo que ali se encontravam. Alma dinamizadora
deste encontro histórico foi o Dr. Mário Ruivo, personalidade ímpar como
cientista, antropólogo, investigador, líder pragmático em missões da ONU e da
UNESCU, cujos trabalhos e propostas estarão sobre a mesa deste congresso,
durante os cinco dias da sua realização. A
gravura em epígrafe traduz um dos momentos marcantes do Encontro, com
Mário Soares e Mário Ruivo, lado-a-lado.
Evoco
propositadamente a Conferência
Internacional de 1994 para assinalar a inércia e, mais grave, a indiferença
dos magnatas mundiais (e dos aprendizes regionais e locais) da finança e da governança
face às conclusões então aprovadas. Neste elenco deprimível e deprimido,
estamos também nós, madeirenses, ao permitirmos que se tenha feito do nosso
litoral um vazador de terras ‘oficiais’, descargas de betão desnecessário e
poluidor, a pretexto da engenhosa rubrica obras
públicas e consequente destruição da fauna e flora costeiras, interdição de
acesso às praias livres que antes pertenciam a toda a população.
Para
que ao imenso mundo oceânico possamos continuar a chamar o glorioso Mare Nostrum, façamos a nossa parte,
fiquemos atentos à generosa enciclopédia dos mares que a presente Cimeira nos
traz a esta estância “onde a terra acaba e o mar começa” – e, por consequência
territorial, também a esta rugosa Ninfa
do Atlântico, a Ilha dos Amores, “que do muito arvoredo assim se chama”.
Depende
de nós que a almejada “Economia Azul” não torne mais negro o mar que nos rodeia e nos ondeia!
27.Jun.22
Martins Júnior
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