Não é por fuga aos ‘Arenas’ de topo
mundial que me refugio na pequena toca de Pedro, o Pescador. Abandono hoje as
empolgantes paradas da NATO e os mergulhos fulminantes da Conferência
Internacional dos Mares que enchem os tabloides das emoções gregárias. Optei
pelo senso comum dos calendários para ficar sentado ao lado do São Pedro, no
seu dia aniversário.
Pus-me a olhar os seus semblantes – há um
ror deles por tudo quanto é canto – e fiquei-me em três silhuetas mais
contrastantes, que passo a partilhar amistosamente com quem costuma
acompanhar-me.
O
primeiro é o São Pedro dos arraiais, das marchas e das espetadas, do vinho e da
carne da vinha d’alhos. Foguetes, umas novenas-sangrias em honra mais de Baco
que de Pedro, sardinhas serôdias, chouriços e tudo o mais – tudo em louvor do
Santo da Galileia.
O
segundo é o de Saint Petersburg, fundada
em 1703 por Pedro, o Grande Czar inspirador do Império Russo. Ninguém maior que
ele, inclusive o do seu Santo, Orago da cidade capital. Em um acto de expiação
vestiu-se de foice e martelo e passou a chamar-se Leningrado, sol de pouca
dura, porque voltou ao cordão umbilical da czarina e recuperou o apelido inicial
de Saint Petersburg, desconhecendo-se
se é provisório ou definitivo.
O
terceiro desta série – e o maior até agora – é o São Pedro do Vaticano, em Roma,
cujos aposentos rivalizam com todo os ‘capitólios’ monárquicos imperiais das
grandes nações. Ao contrário do Pedro Czar, que sucumbiu, o Pedro Romano foi o
único que conseguiu sobreviver aos tempos e contratempos de 20 séculos
ininterruptos. Atravessou, entre soluços e sangue, 300 anos de perseguição
feroz, depois passou de perseguido a perseguidor, ergueu tronos e palácios,
arvorou-se em Estado, instalou poderes sacro-políticos em todo o mundo pelos
diplomatas, núncios da Santa Sé, criou um novo império monopolista e
centralizador, como nenhum outro monarca conseguira.
Desafio
quem me lê a sinalizar semelhanças e diferenças entre os três módulos petrinos
e qual deles se aproxima do original. Se o Pedro das barracas de comes-e-bebes,
se o Pedro Czar Imperialista Russo, se o Pedro Vaticanista, Auto-proclamado
Sucessor do Apóstolo?!
Falta, porém, apresentar o original: o
homem do mar, pobre, ancorado no Lago de Tiberíades, sincero, generoso, capaz
de dar a vida pelo Mestre mas, no mesmo corpo, capaz de negá-lo, com medo de
ser apanhado pelos judeus naquela noite de Quinta para Sexta-feira. Frágil, como
qualquer um de nós. Apesar de tudo, líder de um grupo de doze homens (menos um)
que deixaram tudo para seguir incondicionalmente um seu conterrâneo que nada
tinha para lhes remunerar, nem sequer “uma pedra onde reclinar a cabeça”.
Ó Pedro, Pedro – o que fizeram de
ti?!...
Quantas
fotocópias passadas, repassadas, caiadas, rebocadas! E outras, as falsificadas:
com tiaras de Ofir, caldas de ouro reluzente a escorrer da cabeça aos pés, saias
escarlatinas que ao longo de séculos esconderam Magnatas do dinheiro e ‘Borgia’s
incestuosos!... E todos Sucessores teus!!!
Ai,
Pedro Pescador do Mar da Galileia, espera por mim mais um pouco. Deixa-me
entrar na tua canoa, mesmo afrontando nortadas e vendavais, sempre é mais pura
e segura que as sumptuosas instituições que o mundo ergueu em cima do teu
cadáver!
29.Jun.22
Martins Júnior
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