quarta-feira, 29 de junho de 2022

VARIAÇÕES ATÍPICAS EM CIMA DE SÃO PEDRO

                                                                             


         Não é por fuga aos ‘Arenas’ de topo mundial que me refugio na pequena toca de Pedro, o Pescador. Abandono hoje as empolgantes paradas da NATO e os mergulhos fulminantes da Conferência Internacional dos Mares que enchem os tabloides das emoções gregárias. Optei pelo senso comum dos calendários para ficar sentado ao lado do São Pedro, no seu dia aniversário.

         Pus-me a olhar os seus semblantes – há um ror deles por tudo quanto é canto – e fiquei-me em três silhuetas mais contrastantes, que passo a partilhar amistosamente com quem costuma acompanhar-me.

O primeiro é o São Pedro dos arraiais, das marchas e das espetadas, do vinho e da carne da vinha d’alhos. Foguetes, umas novenas-sangrias em honra mais de Baco que de Pedro, sardinhas serôdias, chouriços e tudo o mais – tudo em louvor do Santo da Galileia.

O segundo é o de Saint Petersburg, fundada em 1703 por Pedro, o Grande Czar inspirador do Império Russo. Ninguém maior que ele, inclusive o do seu Santo, Orago da cidade capital. Em um acto de expiação vestiu-se de foice e martelo e passou a chamar-se Leningrado, sol de pouca dura, porque voltou ao cordão umbilical da czarina e recuperou o apelido inicial de Saint Petersburg, desconhecendo-se se é provisório ou definitivo.

O terceiro desta série – e o maior até agora – é o São Pedro do Vaticano, em Roma, cujos aposentos rivalizam com todo os ‘capitólios’ monárquicos imperiais das grandes nações. Ao contrário do Pedro Czar, que sucumbiu, o Pedro Romano foi o único que conseguiu sobreviver aos tempos e contratempos de 20 séculos ininterruptos. Atravessou, entre soluços e sangue, 300 anos de perseguição feroz, depois passou de perseguido a perseguidor, ergueu tronos e palácios, arvorou-se em Estado, instalou poderes sacro-políticos em todo o mundo pelos diplomatas, núncios da Santa Sé, criou um novo império monopolista e centralizador, como nenhum outro monarca conseguira.

Desafio quem me lê a sinalizar semelhanças e diferenças entre os três módulos petrinos e qual deles se aproxima do original. Se o Pedro das barracas de comes-e-bebes, se o Pedro Czar Imperialista Russo, se o Pedro Vaticanista, Auto-proclamado Sucessor do Apóstolo?!

         Falta, porém, apresentar o original: o homem do mar, pobre, ancorado no Lago de Tiberíades, sincero, generoso, capaz de dar a vida pelo Mestre mas, no mesmo corpo, capaz de negá-lo, com medo de ser apanhado pelos judeus naquela noite de Quinta para Sexta-feira. Frágil, como qualquer um de nós. Apesar de tudo, líder de um grupo de doze homens (menos um) que deixaram tudo para seguir incondicionalmente um seu conterrâneo que nada tinha para lhes remunerar, nem sequer “uma pedra onde reclinar a cabeça”.

         Ó Pedro, Pedro – o que fizeram de ti?!...

Quantas fotocópias passadas, repassadas, caiadas, rebocadas! E outras, as falsificadas: com tiaras de Ofir, caldas de ouro reluzente a escorrer da cabeça aos pés, saias escarlatinas que ao longo de séculos esconderam Magnatas do dinheiro e ‘Borgia’s incestuosos!... E todos Sucessores teus!!!

Ai, Pedro Pescador do Mar da Galileia, espera por mim mais um pouco. Deixa-me entrar na tua canoa, mesmo afrontando nortadas e vendavais, sempre é mais pura e segura que as sumptuosas instituições que o mundo ergueu em cima do teu cadáver!

 

29.Jun.22

Martins Júnior

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