Dois
acontecimentos similares por dentro, mas tão distantes por fora, trouxeram-me a
mil-vezes repetida, mas estruturalmente sempre nova, sentença de Ortega y
Gasset: “O Homem ´é aquilo que é, mais a sua circunstância”. Aqui, por “circunstância”
entenda-se o lugar, o meio, o território.
O
primeiro acontecimento – e é nele que me demoro – refere-se à visita do
Presidente da República Portuguesa a Paris, em finais de Abril, por ocasião da
homenagem ao génio da pintura lusa, Amadeo de Souza-Cardoso, no “Grand Palais”.
Acerca deste memorável evento, promovido pela Gulbenkian, no cinquentenário da
Fundação, o conceituado jornal Le Monde fazia
eco do pensamento do colunista Plilippe Dogen, o qual, recorrendo à
interrogação estilística, peremptoriamente
afirmava: “Amadeo de Souza-Cardoso, o genial
revolucionário da arte, por que razão não teve a merecida consagração
internacional, tal como o seu contemporâneo, Amedeo Modigliani, que inundou o mundo com as suas
obras”?!
Foram
gémeos no mesmo declinar de século
(nascidos, o italiano em 1884 e o português em 1887) e gémeos foram ao despedir-se do mundo no
alvorecer do século XX (este em 1918,
aquele em 1920). Ambos rasgaram
horizontes visionários no oceano das artes plástica, o que levou Philippe Dogen
a formular a pergunta acima enunciada, dando-lhe a resposta imediata: “Por
causa da I Grande Guerra, Amadeo de Souza-Cardoso foi obrigado a refugiar-se em
Portugal… e por lá ficou até à morte”.
Aí
está a chave do enigma. O que é ser grande, famoso, eminente? A circunstância -
o lugar, o meio ambiente, o território
onde lhe coube viver. Continuasse Souza-Cardoso na cidade-luz e, secundando a
opinião do mesmo colunista, ele seria tão grande como os maiores, na projecção
mundial do seu talento!
A
este propósito, retomo o desabafo do nosso “Álvaro de Campos”, no poema “Tabacaria”:
Em quantas mansardas e
não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos
sonhando...
E a história não marcará, quem sabe, nem um!
A
ilha comprime o génio na estreiteza dos seus limites territoriais, muitas
vezes, rodeada de um mar de ignorância que gera a maledicência, a inveja e
afoga nas falésias os que ousam vencer o
medo e a distância. É verdade que personagens de altitude ímpar conseguiram
afirmar-se no mundo mais vasto, mas só depois de romperem as amarras que os
prenderam ao “buraco” obscuro de onde partiram.
Por
isso, teço aqui a Grande Homenagem a todos aqueles e aquelas que, aliciados
pela “vã cobiça a que chamamos Fama”, souberam resistir e permaneceram fiéis à
terra à qual entregaram o seu talento, o
seu suor, o melhor de si próprios, educando os jovens, fortalecendo os adultos,
revigorando os desalentados da vida. Constituem uma plêiade gloriosa – reis sem
trono! – essa mancheia de profissionais e voluntários do ensino, da cultura, do desporto, da saúde, do
bem-estar social. Esses, sim, os autênticos obreiros de um Mundo Maior numa
terra menor!
Ocorrem-me
estes lampejos de reflexão – e aqui vai
o segundo acontecimento referido no início – após ter visto o emotivo programa
de encerramento da “Semana da Saúde”, iniciativa da Junta de Freguesia de
Machico. Que beleza multiforme, abraço afectivo entre gerações, enfim, um
cântico à Vida, inesgotável, sempre renovado!... Fico pensando, outra vez, em tantos outros
ambientes por essa ilha além, onde idêntica explosão endémica de saúde e optimismo
se reacende pela mão discreta, mas olímpica, dos verdadeiros corredores-construtores
do Amanhã!
21.Mai.16
Martins Júnior
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