sábado, 21 de maio de 2016

CONSTRUINDO UM MUNDO MAIOR EM TERRA MENOR

                                                              

    
Dois acontecimentos similares por dentro, mas tão distantes por fora, trouxeram-me a mil-vezes repetida, mas estruturalmente sempre nova, sentença de Ortega y Gasset: “O Homem ´é aquilo que é, mais a sua circunstância”. Aqui, por “circunstância” entenda-se o lugar, o meio, o território.
     O primeiro acontecimento – e é nele que me demoro – refere-se à visita do Presidente da República Portuguesa a Paris, em finais de Abril, por ocasião da homenagem ao génio da pintura lusa, Amadeo de Souza-Cardoso, no “Grand Palais”. Acerca deste memorável evento, promovido pela Gulbenkian, no cinquentenário da Fundação, o conceituado jornal Le Monde fazia eco do pensamento do colunista Plilippe Dogen, o qual, recorrendo à interrogação estilística,  peremptoriamente afirmava:  “Amadeo de Souza-Cardoso, o genial revolucionário da arte, por que razão não teve a merecida consagração internacional, tal como o seu contemporâneo, Amedeo  Modigliani, que inundou o mundo com as suas obras”?!
       Foram gémeos no mesmo declinar  de século (nascidos, o italiano em 1884 e o português em 1887)  e gémeos foram ao despedir-se do mundo no alvorecer do século XX  (este em 1918, aquele em 1920). Ambos  rasgaram horizontes visionários no oceano das artes plástica, o que levou Philippe Dogen a formular a pergunta acima enunciada, dando-lhe a resposta imediata: “Por causa da I Grande Guerra, Amadeo de Souza-Cardoso foi obrigado a refugiar-se em Portugal… e por lá ficou até à morte”.
     Aí está a chave do enigma. O que é ser grande, famoso, eminente? A circunstância - o lugar, o meio ambiente,  o território onde lhe coube viver. Continuasse Souza-Cardoso na cidade-luz e, secundando a opinião do mesmo colunista, ele seria tão grande como os maiores, na projecção mundial do seu talento!
     A este propósito, retomo o desabafo do nosso “Álvaro de Campos”, no poema  “Tabacaria”:
       Em quantas mansardas e não-mansardas  do mundo
 Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando...
 E a história não marcará, quem sabe, nem um!
      A ilha comprime o génio na estreiteza dos seus limites territoriais, muitas vezes, rodeada de um mar de ignorância que gera a maledicência, a inveja e afoga nas falésias os que ousam vencer  o medo e a distância. É verdade que personagens de altitude ímpar conseguiram afirmar-se no mundo mais vasto, mas só depois de romperem as amarras que os prenderam ao “buraco” obscuro de onde partiram.
      Por isso, teço aqui a Grande Homenagem a todos aqueles e aquelas que, aliciados pela “vã cobiça a que chamamos Fama”,  souberam resistir e permaneceram fiéis à terra  à qual entregaram o seu talento, o seu suor, o melhor de si próprios, educando os jovens, fortalecendo os adultos, revigorando os desalentados da vida. Constituem uma plêiade gloriosa – reis sem trono! – essa mancheia de profissionais e voluntários  do ensino, da cultura, do desporto, da saúde, do bem-estar social. Esses, sim, os autênticos obreiros de um Mundo Maior numa terra menor!
      Ocorrem-me estes lampejos de reflexão  – e aqui vai o segundo acontecimento referido no início – após ter visto o emotivo programa de encerramento da “Semana da Saúde”, iniciativa da Junta de Freguesia de Machico. Que beleza multiforme, abraço afectivo entre gerações, enfim, um cântico à Vida, inesgotável, sempre renovado!...  Fico pensando, outra vez, em tantos outros ambientes por essa ilha além, onde idêntica explosão endémica de saúde e optimismo se reacende pela mão discreta, mas olímpica, dos verdadeiros corredores-construtores do Amanhã!  

21.Mai.16
Martins Júnior

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