“Porque
nada de humano me é estranho”, muito menos sê-lo-á o que à minha volta se
passa. E é só por isso que hoje fico na
bancada a olhar as últimas fintas do campeonato 2015/2016. De entre as 297 mensagens do SENSO&CONSENSO,
esta é a segunda vez que deixo entrar o futebol na minha praia. E tanto chega
para o meu registo de interesses nesta matéria: amo o desporto naquilo que
canaliza de saúde e bem-estar global,
mas detesto essa máquina sádica de moer cabeças e consciências que é, afinal.
no que se tornou o futebol profissional. Mais que moer, triturar! O que aí vai
de trapaça, imundície, “malas de jogo… jogo duplo… guarda-redes a vender
frangos por 1.500 euros”, enfim, de despejo de água-suja e de offshores lavados em lixívia do Panamá e
arredores! O que mais repugna é ver tomar conta dos nossos ecrãs produtos manipulados e cenas degradadas sobre uma actividade
humana que se deseja – e para isso foi feita – como uma alavanca saudável para
corpo e espírito.
É
a morbidez atávica dos instintos: onde há dinheiro, aí está tudo: o mal
disfarçado de bem, o desempenho à mistura de corrupção, a política embebida nas
caneleiras dos estádios. E a encharca de comentadores e analista, gente grada e
de importância engravatada, que ora se emociona
ora se exalta até ao tutano, a discutir a mão na bola ou a bola na mão, o
milímetro do tornozelo do adversário em cima da linha, o apito do árbitro e as
aleivosias à mãe do homem-de-preto. Chega! Ainda bem que, por algum tempo, os
nossos televisores terão algo de diferente a servir-nos nas noites de domingo,
manhãs e tarde de segunda-feira.
Mas o impulso maior que me leva a abrir
esta página ao futebol é o resultado das duas principais competições nacionais:
a vitória do Vitório (o Rui) e a Taça de Portugal para o Paulo Fonseca.
Definindo melhor: o triunfo dos atletas contra a arrogância dos donos-do clube. Talvez
mais precisamente: a palma de ouro para
os trabalhadores contra as ambições inconfessáveis dos exploradores. Nada mais
bem feito! Eu que não mexo um dedo de paixão
clubista (os que lá estão têm menos amor
à camisola que os sócios e adeptos) soube-me essa surpreendente gesta, excitante, inimaginável e invejada
pelos orgulhosos “Trump’s” cá do burgo, os que destilavam desprezo por “quem
não era treinador nenhum”, os que mandaram para a prateleira o tal que agora
lhes arrebatou o Troféu, com todo o mérito. Aliás, sempre admirei a postura inquebrável, realista e serena de Rui Vitória e a cativante humildade de
Paulo Fonseca, protótipos de lideranças firmes, vencedores no rectângulo e fora
dele, sem nunca ripostar às provocações “sub-10” dos “rebenta-minas” que, desde
o início, julgavam-se já com o pássaro
na mão.
Que
passe de mestres e que estrondosa finta! Memorável lição para os dirigentes
deste irregular rectângulo insular, em que germina a erva de certos dirigentes
desportivos, arfando de protagonismo, senão mesmo candidatos falhados na cena
política regional!
Não
será preciso esclarecer – mas faço-o expressamente
– que o que escrevi nada tem a ver com as simpatias clubísticas de quem quer
que seja. Os simpatizantes, acho eu, não partilham dos vícios dos dirigentes.
Mas,
desta
vez, parafraseando um antigo programa desportivo – “No estádio e no Estúdio” –
também se pode afirmar que os estádios portugueses transformaram-se num estúdio
e numa cátedra para o desportivismo e para a vida.
23.Mai.16
Martins Júnior
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