Gastas
e inúteis, sobretudo se não lhas deram
em vida. Os olhos já não as lêem e os ouvidos já não as escutam. Tem razão e coração a balada
coimbrã:
Quando
eu morrer rosas brancas
Para mim ninguém as
corte
Quem as não teve na vida
De que lhes servem na morte
Por
isso, as palavras de hoje são bálsamo para quem as escreve, mais do que para quem delas não precisa.
Vejo-nos,
a ele e a mim, colados ao chão, lado a lado, há cinquenta e
cinco anos no supedâneo do altar-mór da Sé Catedral, quinze de Agosto, dia longínquo
da nossa Ordenação Sacerdotal.
Hoje, no chão da igreja de São Martinho, vejo-o, “pó deitado”, ele que foi “pó erguido”, durante toda a sua vida. E
vejo-me, também a mim, hoje “pó erguido”, amanhã “pó deitado”.
Lado
a lado, no Seminário Diocesano, ensinando jovens seminaristas… E ainda, lado a
lado, na radiodifusão regional, ele aos microfones da Estação Rádio da Madeira,
eu no Posto Emissor do Funchal, emitindo semanalmente a mensagem bíblica nos
verdes anos do nosso sacerdócio.
Abraçámo-nos mais tarde em Quelimane,
Zambézia, ele no nobre roteiro de transportar mais luz ao oriente moçambicano e
eu na forçada e indigna “missão” da guerra colonial.
Depois, a vida separou-nos. Lá foi ele,
novo “Paulo de Tarso” dos tempos
modernos, cavaleiro andante por esse mundo fora , levando saudades da terra e,
com elas, Espírito vital e rajadas de
optimismo aos emigrados em terra alheia.
Finalmente, voltámos a encontrar-nos,
três décadas volvidas, aqui, onde eu ficara. Revê-lo foi reencontrar a ponte no
meio do rio. Ele não precisa – porque nunca precisou – que lhe enalteça a seiva profundamente espiritualista e saudável
que punha na palavra dita, no gesto claro, no silêncio cativante da sua
presença. Digam-no quantos com ele privaram na intimidade construtiva de cada
dia, aqui e no estrangeiro. Jamais esquecerei os discursos e os escritos,
cuidadosamente moldados num estilo original, entrelaçando o neo-clássico
e o pré-romântico, em que a palavra cintilava em múltiplas radiações,
ricas de simbolismo estético. Muito ganharíamos com a sua publicação.
Pelo que se viu e pelo que conversámos,
a diocese não lhe permitiu chegar mais longe e mais alto, como era o seu lugar,
de onde pudéssemos ouvir a sua mensagem e beneficiar da sua larga experiência
apostólica. “No Hospital, deram-me apenas a função de um simples tarefeiro” – desabafou-me um dia,
ele que nunca se queixava das mágoas, interiormente curtidas.
Por isso, são gastas e inúteis, para
ele, as palavras que lhe deitam no
caixão, bem como o abraço que, tendo-lho dado em vida, reforço-o, depois da
morte.
Sou
eu que preciso desse abraço, enquanto me ecoa na alma o veredicto do grandíloquo Padre António Vieira: “Lembra-te
que hoje és pó erguido, amanhã serás pó caído”.
O
que nunca cairá é a estatura intelectual e mística do Irmão Zé Manel! Adeus e
até quando!
17.Mai.16
Martins Júnior
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