Este
é mesmo um momento de pura fruição poética, pensamento onírico que me
transporta para além do emaranhado nebulento da oficialidade dos protocolos! Se
a todos não interessar, deixem passar, ao menos hoje, a luz fugaz de um arco-íris
que eu vi, trazendo à terra uma nesga do alto.
Aconteceu no 1º de Maio – da Mãe e do
Trabalhador. Sobre a ara coberta de linho bordado de uvas e espigas pela mão
das mulheres rurais, abre-se o livro da Mãe Natura: os frutos, a enxada, a
corda de amarrar a erva tenra, o martelo, a pá de joeirar e amassar , a foice
das ceifas estivais. Para dar tom aos instrumentos do trabalho humano, a amostra
dos cordofones da tuna local, portadores da “arte dos deuses”. Tudo sobre o altar
aberto, largo e livre. A coroar a tela ao vivo, três “cerejas em flor”: a mão
de cravos, o livro de Francisco Papa “Laudato Si” e o tríplice coração de Mãe.
É verdade que o mundo exterior toma a
cor dos olhos que o vêm. Por isso, o cenário em fundo aceita a coloração e a
interpretação que cada um lhe quiser emprestar. Desde os mais amplos olhares que
voam num optimismo espiritualista até aos que, na fé que lhes ensinaram, prefeririam
varrer do altar essas coisas tão prosaicas, as ferramentas cheirando a terra e
à poeira da oficina. Não obstante as mais variadas emoções, paira no recanto da
mente como nas paredes do templo esta interrogativa: Como haverá pão nas
âmbulas da comunhão e vinho no cálice se não houver farinha e uvas da terra? E
como as uvas e a farinha, sem parreiras nem espigas?... E, em suma, como tudo,
isso se não houver a enxada, a foice, a corda de enfeixar?... E onde o templo e
o altar se não houver a pá, a madeira, o cimento, o martelo, a colher, o fio de prumo?... Não é
mais nobre a hóstia do que o grão de trigo que lhe deu o ser, não é mais bento
o vinho do que o bago de uva que se deixou esmagar em seu favor! Não é menos
amoroso o filho do que a mãe que o deu à luz!... Laudato Si : Louvado seja! Bendito panteísmo que nos faz ver o
Criador na mais frágil criatura!
Embalado nestas volutas de incenso
místico e após a leitura dos textos bíblicos, entendi prescindir da palavra e
dá-la aos pregadores livres, os poetas, que vêem mais além que os formatados
homiliários litúrgicos. E porque era Dia da Mãe e Dia do Trabalhador, logo subiram
à tribuna sacra mestres na dicção e na emoção que emprestaram o coração e a
boca a José Régio, Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Morais, este na majestosa,
fulgurante e revolucionária ode, em redondilha maior, ao “Operário em
Construção”. Coube a uma camponesa da Ribeira Seca, ela já septuagenária, mãe e
avó, encerrar esta sessão de amor e acção com as quadras populares da sua
autoria em homenagem a todas as Mães do mundo!
A quem me ler, peço licença para
responder à pergunta formulada em título. O que vimos e ouvimos não foi Missa
profana, foi a Terra erguida em Altar. Foi a entrega, em espécie e não em
correspondente, do ouro mais precioso que é o contrato intemporal entre o
Humano e o Divino, entre a nossa fragilidade aparente e a suprema omnipotência
do Infinito. Neste “1º de Maio” as armas do Trabalho ocuparam, de direito
próprio, a Mesa do Pão e da Paz.
03.Mai.16
Martins
Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário