Tão
depressa soltou-se do calendário a folha de Abril para dar caminho à sucessão interminável dos dias e dos
meses. Mas Abril não morre nunca. Abril, como o Natal, “é quando o Homem quiser”.
Se bem se lembram os benévolos acompanhantes desta viagem falada e escrita, dia
sim-dia não, iniciei em 21 de Abril uma espécie de tríptico sobre a
fenomenologia dos Abris de todos os tempos, subdividindo-o no Antes, Durante e Depois. Reflectidos que foram os dois primeiros painéis, debruço-me
sobre o terceiro – o Depois – pretendendo
com isto responder à questão que a todos se nos põe: Por que razão se repetem
as revoluções, que estranho pendor tem a sociedade de lutar por outro Abril,
novo, doloroso e fulminante como o que lhe precedeu?
Eis
o cerne da História, de todas as histórias:
as de outrora, as de hoje e
as de amanhã. O tema é vasto, mas tentarei sintetizá-lo, a partir dos três
períodos revolucionários, anteriormente citados, da historiografia portuguesa
Após
a grande vitória sobre a crise de 1383-1385, Portugal abriu-se a novos mundos,
à ciência e ao fulgor quinhentistas. Parecia o “EL Dourado” sem termo. Mas a
porta de entrada das riquezas das Índias foi também o portão da pompa e
desmesurada ambição que vitimou a coroa portuguesa em Alcácer-Quibir, de onde
resultou o aproveitamento sem escrúpulos do domínio de Espanha sobre o nosso
território, com a conivência de cortesãos lusos traidores à pátria. Foi preciso
luta e foi preciso sangue para restaurar a dignidade perdida.
Novo
ciclo começa, alçando-se até ao fastígio joanino, com o elitismo do Quinto
Império, enobrecido pelo ouro do Brasil. De novo a “moleza” toma conta do Reino
e faz surgir o “despotismo iluminado” de um Conde de Oeiras, Marquês de Pombal,
seguindo-se-lhe o depauperamento dos centros de decisão e, daí até à disputa do território por franceses e
ingleses, foi um ápice. Para salvar a pátria
dividida e denegrida, foi preciso de novo o massacre do general Gomes
Freire de Andrade às mãos do absolutismo recalcitrante de então, odisseia esta
imortalizada por Luis de Stautt Monteiro em Felizmente
Há Luar. A população amordaçada e
submissa cedeu o lugar a sucessivas e encarniçadas revoltas que culminaram no
assassinato do Rei e na proclamação da República.
Conquistada
a República, repetidas ameaças originaram confrontos terríveis, devastadores da
unidade nacional, consequência de um Povo que nunca antes aprendera nem
exercera a influência directa da sua força na condução dos destinos do seu
país.. E por via disso, anseia um “salvador da pátria” , um “caudillo”, um
ditador, personificado no “homem predestinado por Deus – assim proclamava a
Igreja pela voz do Cardeal Cerejeira – para salvar Portugal”: Oliveira Salazar.
Redobrados tormentos amontoou o Povo sobre as costas, o Povo miúdo, que deixou
prender e matar aqueles que o queriam libertar da nova ditadura do fascismo
galopante. Quase 50 anos de repressão e “pacífica” ditadura! Voltáramos a 1383,
explorados e espoliados pelo “senhorio” da casa pátria. Até que, em plena
madrugada de 25 de Abril de 1974, “Portugal entrou de novo no clarão do Novo
Dia”: assim cantaram, domingo passado, os jovens de Machico no Largo da Restauração,
Funchal.
E
agora?... Quando é que será preciso fazer um outro “25 de Abril”?
A
palavra é nossa. Como nossa é a resposta. Não basta uma vitória temporal para
assegurar um Bem-Estar estrutural. Olhando em retrospectiva, a conclusão é
límpida e inquietante: sempre que um Povo se embriaga com o sumo da Vitória e, depois,
se acomoda inerte e paradoxalmente “feliz” com o embalo sonolento dos que lhe anestesiam
a mente e o corpo, aí começa a degradação, aí
mergulha na antiga servidão. E quando tenta sacudir o pesado cobertor em
que o envolveram durante décadas e décadas, já é tarde, porque perdeu a
sensibilidade de olhar e reagir. Outra vez, serão roladas cabeças de inocentes vítimas
+elo único crime de lutar para reacender a chama libertadora de outrora.
Conclusão:
É urgente manter-se em alerta máximo perante os detractores do “25 de Abril”.
Porque a porta por onde entraram os libertadores é a mesma onde espreitam os
coveiros da Liberdade que preparam na sombra o mafioso regresso. Não precisamos
sair de casa para sabermos disso: o nosso mais recente passado fez da Madeira o laboratório perfeito de quem se serviu do “25
de Abril” para reimplantar regime
castradores, mascarado de autonomia.
A
Democracia não é produto que se guarde ciosamente no congelador. É um corpo
vivo que, tal como a amizade, exige um assistente, um cuidador, uma sentinela. No
trabalho, na escola, no campo, na oficina, na igreja. E há tanta gente que, por
um prato de lentilhas comido às escondidas, entrega a casa e o castelo aos
invasores, predadores do Bem-Estar Social de todo um Povo. A Democracia ou se
rejuvenesce ou apodrece, não há meio termo. Correndo o risco de ferir a sensibilidade
de quem não se situa neste patamar de análise (o que igualmente respeito), aproveito
este 5 de Maio para trazer à mesa o princípio dinamizador do filósofo e
sociólogo Karl Marx, nascido precisamente em 5 de Maio de 1818, o qual, na
esteira do compatriota Friedrich Hegel, interpretava a História à luz do método
científico da “análise, antítese e síntese”, isto é, da dialéctica – o crescimento
numa espiral cíclica. A sociedade move-se num constante curso dialéctico.
Ou
então, na mesma linha, repetirei o pré-aviso do Mestre da Galileia: “Estai
vigilantes”!
05.Mai.16
Martins Júnior
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