Águas
paradas não movem moinhos, já o sabemos. Nem moinhos, nem barcos, nem velas,
Muito menos os mareantes que somos todos nós. Bem vindas, pois, as rajadas de
vento norte que purificam o ar e polinizam os campos e as flores.
Tomo
esta alegoria para referir-me a recentes oscilações locais que têm trazido a
Igreja madeirense para a ribalta da ilha. Parece que todo o bolor armazenado
nas sacristias saiu à rua, pois nunca a instituição andou tanto na praça
pública. ‘Virou’ moda falar da organização eclesiástica. Pela minha parte, passarei
hoje ao lado da actual casuística da praxe regional e dispensar-me-ei de ditar sentenças sobre o
menu que o jornalismo local tem servido ao rancho geral da nossa tropa.
Como
num duelo de contrastes, trago hoje o testemunho pessoal de uma das mais
prestigiadas figuras da Igreja europeia, o Arcebispo de Paris, Mgr. Vingt-Trois,
quando completou 75 anos, solicitando em carta entregue ao Papa Francisco a resignação (demissão) nos
termos e para os efeitos do Direito Canónico.. Transcrevo alguns excertos da
entrevista dada ao jornal Le Figaro, do
último sábado.
Bastaria
uma única passagem para atestar o dinamismo jovem deste septuagenário que tem
enfrentado casos muito sérios em França, entre os quais o da diocese de Lyon,
envolvendo também o bispo local, Mgr.
Barbarin. Eis a palavra de ordem de Mgr. Vingt-Trois, na mensagem de despedida:
“A missão dos cristãos é não deixar o mundo
dormir”!
Por
outras palavras, ele chamava a atenção da Igreja para o imperativo essencial e inadiável de agitar
uma sociedade inerte e amorfa, acomodada
ao reino do mais fácil, onde o oportunismo egoísta torna tudo num
pântano irrespirável, gerador de anomalias e inimagináveis sobressaltos. Quando
o jornalista Jean Marie Guénois o confronta com o papel redutor da hierarquia,
responde frontalmente: “Não posso
conceber uma Igreja a duas velocidades.
A Igreja do povo (LÉglise du peuple) deve aceitar as diversas modalidades de
pertença... O responsável de uma comunidade não está lá para impor as suas
reacções subjectivas” E formula um desejo profundo; “A minha esperança é que um dia venhamos a ter uma Igreja suficientemente viva
e saudável para acolher (abraçar) pessoas que não lhe estão necessariamente
conformes”. Que fino apuramento de sensibilidade e que evangélico sentido
democrático de um alto titular da hierarquia!
Ficarão,
decerto, escandalizados os crentes pietistas (vulgarmente, os beatos) com esta
lição de catequese esclarecida: “Por
educação e pelo meu histórico de vida, não tenho tendência para atribuir a Deus
os acontecimentos que ocorrem no mundo,
muito menos os maus acontecimentos. A vontade de Deus sobre a humanidade é uma aventura que Ele entrega à
sabedoria (ciência) do homem”. E concretiza,
de forma lapidar, eloquente: “A missão
do cristão baptizado está em comprometer-se o mais directamente possível nessa
aventura… É ao domingo, quando sai da
igreja, que tudo começa. À sua volta, esteja onde estiver”. Extraordinário este toque de trombeta profética
que, na mesma entrevista, fá-lo alertar
para o perigo da “anestesia colectiva”!
Por
aqui me quedo. Será este, por enquanto, o meu contributo no meio da agitação
superveniente àquele dolce far niente
(há quem lhe chame marasmo) em que ‘alegremente’ temos vivido, cantando ao
Senhor nesta “Ilha do Santíssimo Sacramento”! E se houver quem, perto ou longe,
aguce o olhar sobre este modesto puzzle, desvendando-lhe as semelhanças e
as diferenças entre lá e cá – darei por bem empregue a transcrição apresentada.
Mais
que tudo, porém, o que interessa é que o nosso despertador de todas as manhãs e
de todas as horas nos pique as orelhas com o clarim do sábio hierarca Mgr.
Vingt-Trois: “A missão do cristão é não deixar que o mundo adormeça”.
A
começar por cada um de nós!
13.Nov.17
Martins Júnior
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