Há
dias que nos tiram o siso e nos atiram para o charco. Quando digo charco quero
dizer mágoa, nervos, nojo, indignação. E hoje foi. Quando me preparava para
voar mais alto e pairar na contemplação,
quase mística, da grandeza da condição humana, eis que um minúsculo mostrador
quadrangular me põe de rastos e obriga-me a mergulhar na fossa da degradação
mais repugnante dos desvalores sociais.
E
tanto bastou para cegar-me os olhos. Suponho que não apenas os meus, mas os de
muitos espectadores/leitores/ouvintes, entre os quais – imagino – os de quem me
acompanha dia-a-dia.
Logo
de manhã, a abrir os tele-jornais, o batalhão de repórteres a correr,
desvairados, esfaimados, de câmara aos ombros… para aonde e para quê? Para uma
jaula rolante que chega com um “monstro” lá dentro! Digo “monstro” – mas arrepio-me
todo, porque se trata de um ser humano como eu. Das suas mãos – iguais às
minhas – pendem três mortos, a boca vomita ameaças, os olhos rasgam esconderijos
na selva e atrás de si um pelotão armado que, durante dias e dias, exerceram
a caça ao homem. O “monstro” dava entrada na “Domus Justitiae”. E eram para ele
todos os holofotes, todas as atenções…
Mais
ao lado, na vizinha Espanha, entra no tribunal, um ‘inocente’ burlão do Estado
e lá estão perfilados e amestrados os sósias profissionais da publicidade
fedorenta. Uma mulher (e mais que muitas) é barbaramente agredida e o ‘herói’ enche as objectivas e as rotativas do dia.
Nem falo das papilas mórbidas dos propagandistas que correm atrás da violência,
nas discotecas, nas praças públicas ou no beco mais esconso. Para esse mercado
há sempre imediatos de serviço.
Hoje
não estou nessa parada. Embora admita a notícia do quotidiano, recuso-me a
chafurdar nesse labirinto doentio que explora o crime, desventra os esqueletos
e diverte-se com a autópsia despudorada dos casos na via pública, à hora do
almoço ou na mesa da ceia. Detesto esses linguados carnívoros, esses correios
da manha que aguçam os piores instintos da psicologia humana e embrutecem o
povo. Pior: incitam o povo a tornar-se ‘famoso’ pelo que há de mais infame no
mundo. Pela minha parte e desde há muito tempo, passo por cima das “ocorrências”
grotescas, maníacas, da imprensa (mesmo
a regional) quando pretende alinhar com o apetite sensacionalista das atrocidades
e dos escândalos.
Mais
lamentável é o combustível tóxico que alimenta uma máquina tão perversa: o
público. Que escabrosa vertigem é esta que, em vez de nos fazer respirar o ar puro, nos atira para a fossa do abismo?!
Tirem-me
deste filme. Soltem-me deste charco.
03.Nov.17
Martins Júnior
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