terça-feira, 31 de outubro de 2017

DOIS INSTANTES QUE MARCAM MEIO SÉCULO


O audiovisual regionalizado tem-se encarregado de pintar em caracteres garrafais os 50 anos de vida da nossa RDP. Desfaz-se em largas e pitorescas manifestações, dá corda aos carrilhões domésticos para que todos os madeirenses despertem e cantem em uníssono os parabéns da praxe. São entrevistas, reportagens, espectáculos, séries sequenciais. Chegam, por vezes, a cansar os repetidos relatos da exiguidade de meios, as ferramentas artesanais, as bobines que vinham de Lisboa, as cenas das primeira infância radiofónica regional,
Da análise dos conteúdos pouco transpira, a não ser umas lágrimas de pólvora seca sobre a “Censura” fascista com que Salazar e seus fiéis patriotas lobrigavam perigosos tigres onde nem de gatos se via sombra. Esquecem-se os narradores profissionais de lembrar os tempos pós-Abril na Madeira em que eles próprios eram forçados a deitar cá para fora noticiários e parangonas que os espectadores classificavam, genericamente, de “rádio-tele-jardim”. São mais que muitos os madeirenses que foram prejudicados, amesquinhados, injustiçados nesses tempos. Quão difíceis e frustres eram as tentativas de resposta!
No entanto, dois episódios – um dos quais na rubrica “PUXA PARA TRÁS” – emergem como luzeiros marcantes no meio das sombras. Refiro-me à entrevista concedida pelo antigo director da RTP/M, eng. Carlos Alberto, Transcrevo: “O Pe. Martins tinha sido entrevistado em Lisboa, ainda nos estúdios do Lumiar, pelo jornalista Adelino Gomes. O brigadeiro Azeredo deu ordens para que não passasse a entrevista na Madeira. No dia seguinte, o brigadeiro pretendeu usar os estúdios regionais para responder à dita entrevista. Eu limitei-me a esclarecer: ‘Sim, o senhor responde, mas com a condição de passarmos primeiro a entrevista do Pe. Martins’. E assim aconteceu”.
Não se sabe que mais admirar: se (pela negativa) a prepotência do poder civil e militar, arvorando-se em dono soberano da comunicação social regional,  se (pela positiva) a verticalidade e o respeito deontológico por parte do profissional da informação!
O segundo episódio, contou-o o Padre António Simões, capelão militar, graduado em coronel, na rubrica “UMA HISTÓRIA, UMA VIDA”, retransmitida anteontem, a propósito da ordem do antigo bispo do Funchal para que o referido sacerdote lesse uma nota da Cúria diocesana, aquando da missa dominical celebrada, então,  nos estúdios da RTP/M. O padre opôs-se vivamente, alegando que o “texto envolvia conteúdos de teor político”, o que lhe estava vedado como capelão militar. Após as embaraçosas cenas que o próprio narra na entrevista, dirige-se ao Paço  e entrega ao bispo a responsabilidade do caso, recusando-se a celebrar mais alguma vez  o ofício dominical naquelas circunstâncias. E cumpriu.
Quid júris? . em relação a mais este capítulo. Por um lado, a arrogância do Paço Episcopal , conluiado com a Quinta Vigia, ao ponto de mandar na RTP/M. Por outro, a dignidade e o desempenho deontológico do militar-capelão.
Circunscrevendo-se embora à RTP/M, os dois episódios contêm matéria comum aos diversos canais do audiovisual regionalizado, durante meio século.  Mais casos exemplares, certamente, outros protagonistas poderão lembrar.   Só por isso, valeu a pena comemorar tão expressiva efeméride, fazendo votos de que a Informação, que ao Povo pertence, devolva ao mesmo Povo a sua identidade primeira – o isento e verdadeiro serviço público.

31.Out./1.Nov.17

Martins Júnior     

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