O
audiovisual regionalizado tem-se encarregado de pintar em caracteres garrafais
os 50 anos de vida da nossa RDP. Desfaz-se em largas e pitorescas
manifestações, dá corda aos carrilhões domésticos para que todos os madeirenses
despertem e cantem em uníssono os parabéns da praxe. São entrevistas, reportagens,
espectáculos, séries sequenciais. Chegam, por vezes, a cansar os repetidos
relatos da exiguidade de meios, as ferramentas artesanais, as bobines que
vinham de Lisboa, as cenas das primeira infância radiofónica regional,
Da
análise dos conteúdos pouco transpira, a não ser umas lágrimas de pólvora seca
sobre a “Censura” fascista com que Salazar e seus fiéis patriotas lobrigavam perigosos
tigres onde nem de gatos se via sombra. Esquecem-se os narradores profissionais
de lembrar os tempos pós-Abril na Madeira em que eles próprios eram forçados a
deitar cá para fora noticiários e parangonas que os espectadores classificavam,
genericamente, de “rádio-tele-jardim”. São mais que muitos os madeirenses que
foram prejudicados, amesquinhados, injustiçados nesses tempos. Quão difíceis e
frustres eram as tentativas de resposta!
No
entanto, dois episódios – um dos quais na rubrica “PUXA PARA TRÁS” – emergem como luzeiros marcantes no meio das
sombras. Refiro-me à entrevista concedida pelo antigo director da RTP/M, eng.
Carlos Alberto, Transcrevo: “O Pe. Martins tinha sido entrevistado em Lisboa,
ainda nos estúdios do Lumiar, pelo jornalista Adelino Gomes. O brigadeiro
Azeredo deu ordens para que não passasse a entrevista na Madeira. No dia seguinte,
o brigadeiro pretendeu usar os estúdios regionais para responder à dita
entrevista. Eu limitei-me a esclarecer: ‘Sim, o senhor responde, mas com a
condição de passarmos primeiro a entrevista do Pe. Martins’. E assim aconteceu”.
Não
se sabe que mais admirar: se (pela negativa) a prepotência do poder civil e
militar, arvorando-se em dono soberano da comunicação social regional, se (pela positiva) a verticalidade e o
respeito deontológico por parte do profissional da informação!
O
segundo episódio, contou-o o Padre António Simões, capelão militar, graduado em
coronel, na rubrica “UMA HISTÓRIA, UMA
VIDA”, retransmitida anteontem, a propósito da ordem do antigo bispo do
Funchal para que o referido sacerdote lesse uma nota da Cúria diocesana,
aquando da missa dominical celebrada, então, nos estúdios da RTP/M. O padre opôs-se
vivamente, alegando que o “texto envolvia conteúdos de teor político”, o que lhe
estava vedado como capelão militar. Após as embaraçosas cenas que o próprio narra
na entrevista, dirige-se ao Paço e
entrega ao bispo a responsabilidade do caso, recusando-se a celebrar mais
alguma vez o ofício dominical naquelas
circunstâncias. E cumpriu.
Quid júris? .
em relação a mais este capítulo. Por um lado, a arrogância do Paço Episcopal ,
conluiado com a Quinta Vigia, ao ponto de mandar na RTP/M. Por outro, a
dignidade e o desempenho deontológico do militar-capelão.
Circunscrevendo-se
embora à RTP/M, os dois episódios contêm matéria comum aos diversos canais do
audiovisual regionalizado, durante meio século. Mais casos exemplares, certamente, outros protagonistas
poderão lembrar. Só por isso, valeu a
pena comemorar tão expressiva efeméride, fazendo votos de que a Informação, que
ao Povo pertence, devolva ao mesmo Povo a sua identidade primeira – o isento e verdadeiro
serviço público.
31.Out./1.Nov.17
Martins Júnior
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