Fosse
esta crónica um berro histérico alçando um bota-de-elástico que marca bolas de
ouro – e o vulgo néscio cairia de bruços, em espasmos de arraial bacoco… Mas
não vou por aí. Hoje navego até Outubro de 1967. E curvo-me diante de um Homem,
39 anos feitos, ‘cantados’ e ensopados em sangue, algures no chão matoso da
Bolívia: acabava de ser assassinado Ernesto “Che” Guevara. Para uns, um
criminoso, para outros um mártir, um San
Ernesto Guevara de La Higueta. Médico,
escritor, político, guerrilheiro. Sonhava um mundo livre, uma sociedade de iguais
oportunidades para todos. E deu tudo quanto tinha na luta contra a ditadura
cubana de Fulgêncio Baptista. Ir mais
além – era a sua meta – e libertar toda a América Latina, colocando no alto da
sua bandeira a estrela de um ideal: “Lutamos
contra a miséria, mas ao mesmo tempo contra a alienação”.
Hoje,
volvidos 50 anos sobre o seu assassinato, formulo a pergunta que o diário Le Monde estampava nas suas páginas: “Que
nos resta agora de Che Guevara”? Algumas publicações, muitas efígies, decalcadas
do famoso retrato, da autoria do artista irlandês Jim Fritzpatrik. Dizem até os
entendidos que é o segundo retrato mais difundido no mundo, a seguir ao de
Jesus Cristo. Testemunhei-o eu próprio no ano de 1972, em Volta Redonda,
periferia do Rio de Janeiro, quando o Bispo Duarte Calheiros me confidenciou,
em jeito de desabafo: “Sabes, padre português, o governo brasileiro pôs-me um
processo judicial, porque mandei colocar
em dia de Sexta-feira Santa um retábulo do Crucificado sobre o altar e
eles acharam que a cabeça do Cristo era igualzinha à do “Che” Guevara”!...
Sejam
quais sejam as opiniões, deixo aqui o auto-retrato de Alguém, gerado e humano
como nós, publicado no seu livro “El Socialismo y el Hombre en Cuba”, onde
define o seu conceito de revolucionário:
“Devo dizer, com o
risco de parecer ridículo, que o revolucionário verdadeiro é guiado por grandes
sentimentos de amor. É impossível pensar num revolucionário autêntico sem esta
qualidade. Quiçá seja um dos grandes dramas do dirigente: deve unir a um
espírito apaixonado uma mente serena e tomar decisões dolorosas. Nessas condições, há que se ter uma grande
dose de humanidade, um grande sentido de justiça e de verdade para não cair em
erros dogmático, em isolamento das massas. Todos os dias é preciso lutar para
que esse amor à humanidade se transforme em factos concretos, em actos que
sirvam de exemplo”.
Seu
pai, engenheiro civil, orgulhava-se do jovem lutador Ernesto, dizendo: “Nas veias do meu filho
corre o sangue dos irlandeses rebeldes”. Porque a sua rebeldia não ambicionava
o poder nem a vanglória oportunista. Pretendia, tão-só, a libertação dos povos
oprimidos do continente americano. Por isso, o mataram. Dele bem poderia dizer
o grande poeta ‘moçambicano’ Reinaldo Ferreira: “O Herói serve-se morto”!...
Que
diria hoje a sepultura do Herói: “Terá valido a pena dar a vida para galgar o
poder e instaurar outra ditadura, qualquer que seja a sua cor?... Jamais”!
Tremendo
aviso para os políticos arrivistas que pululam por toda a parte. Aqui também.
Ganhar para acomodar-se à poltrona da ambição interesseira, nunca! Mais vale
perder lutando do que viver amodorrado na almofada do ego. Mais vale morrer
lutando do que viver apodrecendo no trono!
13.Out.17
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário