Em nenhum outro plano,
como no da Política, se corporiza o sábio axioma da geometria linear que deu
título ao exercício que hoje apresento. “Os extremos toam-se “. Tal qual no círculo que desenha a nossa mão, do mesmo
modo no círculo político se descreve esse normativo da filosofia secular. A
derrota e a vitória moram lado-a-lado, sem nos apercebermos onde começa uma e
acaba a outra. O mesmo poderia dizer-se
na dicotomia amor-ódio, tristeza-alegria, amanhecer-anoitecer.
Quando
serenamente sobrevoamos a paisagem pós-eleitoral achamos divertidas, por vezes
bizarras, as manifestações exteriores dos seus protagonistas, num cenário
coincidindo vencedores e vencidos:
“Ganhámos! Perdemos uma câmara aqui, ganhámos outra acolá. Escapou-se-nos uma
junta, mas metemos além mais um vereador, conquistámos um assento na assembleia
municipal ou na assembleia de freguesia”.Nem sempre, porém, os magníficos
titulares ponderam uma lição tantas vezes repetida e poucas vezes aprendida: a
vitória esmagadora de hoje tem infalivelmente à sua espera a esmagadora derrota de amanhã. Porque a
gigantesca estátua da Política está assente em pés de barro.
Pés
de barro que são as contingências, os imponderáveis, as variáveis imprevistas
do quotidiano, enfim, a fractura iminente do alicerce que a sustenta. De fora
e, sobretudo, de dentro. Aqui, como em poucas outras circunstâncias, toca a rebate o aviso de
outras eras: “Quem ao mais alto sobe - ao
mais baixo vem cair”.
Variáveis,
disse eu, de fora, mas sobretudo de dentro. Não é a bruxa do pessimismo que me
pega na mão para escrever isto. É o realismo inexorável da experiência que mo
dita. Entremos nos Conselhos (Nacional, Regional, Local) dos partidos derrotados que hoje se reúnem,
desde o PSD ao PCP. Com mais ou menos cambiantes, o espectáculo é o da mais
temerosa implosão ou, como é do estilo, “a noite das facas longas”. Olhos demolhados,
mortiços, atravessados; aplausos surdos, lenços brancos que, de dentro dos
bolsos, acenam adeuses; demissões, abafados prantos. E pensar que a implosão de
hoje foi a explosão de ontem, de há quatro e oito e doze anos!...
Paralelamente, os gloriosos triunfadores
abraçam-se entre girândolas de palmas e risos, ruidosas ‘palavras de ordem’. E,
espalhadas aos quatro ventos, juras
perdulárias de fidelidade canina ao partido.
É a explosão no seu mais alto clímax!... Mas um fantasma paira no salão da
festa e no palco da praça, agarrado às canas
dos foguetes ou embuçado no lençol da bandeira matriz: “Esta é a minha oportunidade. Qual o
meu cadeirão, a minha pista, qual o meu
pódio?!”. E, assim, paradoxalmente, o fantasma das “facas longas” já começa a
afiá-las em surdina na noite dos tambores da vitória. E o líder, vigilante na
gávea da barcaça engalanada, chama à consciência o repto da sabedoria popular: ”Quanto maior a
nau, maior a tormenta”. E mais estremece,
quando lhe bate ao subconsciente o agoiro da ameaça: “Será hoje o primeiro passo para a implosão de amanhã”?
Cenas
contraditórias, mas reais, da tragicomédia humana, que nos fazem parar ante a portagem
larga da trajectória política. Ela tem
tanto de nobre e fascinante, como tem de frágil, mórbido e decepcionante. Porque a esmagadora vitória
de hoje bem poderá ser a cama da esmagadora auto-destruição de amanhã. A
história no-lo diz.
O
melhor antídoto ou a mais segura salvaguarda contra os perigos deste escorregadio
plano inclinado é olhar o Povo Eleitor e ver nos votos recolhidos não um “voucher”
gratuito para a “passerelle” da fama interesseira, mas uma ferramenta
emprestada nas mãos dos eleitos para construírem o futuro dos seus
constituintes.
03.Out.17
Martins
Júnior
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